Lindevania Martins
Tudo começou na Tunísia.
Onde um presidente impopular sempre ganhava eleições com percentagens acima de 90% dos votos, embora o país se mantivesse numa crise de pobreza e desemprego. Embora não precisasse de muito, sua derrocada se prenunciou quando o Wikileaks divulgou pela internet telegramas diplomáticos norte-americanos nos quais a família do presidente da Tunísia era comparada a uma máfia e que traziam detalhes de suas operações.
Começou o processo de revolta. Em 17 de dezembro de 2010, o vendedor ambulante Mohamed Bouazizi pôs fogo em si mesmo em protesto contra apreensão de sua mercadoria pela polícia[1]. As semanas seguintes foram de intensificação dos protestos, nas quais mais cinco jovens também teriam se imolado.
Em manifestações organizadas principalmente através do Twitter e do Facebook, as pessoas nas ruas gritavam palavras de ordem e não se intimidaram com a polícia e o exército. O governo tentou bloquear sites como You Tube, que espalhava as imagens pelo mundo, mas foi inútil.
Em 14 de janeiro, o presidente caiu. Zine al Abdine Ben Ali, após 23 anos no poder, deixou o país fugido. Provavelmente para a Arábia Saudita. A egípcia Mona Eltahawy[2] twittou: “Cada líder árabe está a olhar para a Tunísia com medo. Cada cidadão árabe está a olhar para a Tunísia com esperança e solidariedade.”
De fato, o sucesso dos protestos na Tunisia, que ficou conhecido como “Revolução de Jasmin”, inspirou vários novos movimentos. Mostrou que era possível uma revolta popular derrubar um governo, deflagrando protestos no mundo árabe numa escala nunca vista.
Mas é no Egito que as coisas pegam fogo.
O Egito está numa situação semelhante à da Tunísia. Um ditador que se perpetua no poder, um regime de corrupção, uma população sofrendo com o desemprego e a pobreza no país.
Na quarta-feira passada, um ativista escreveu no Facebook: “Não vão ao trabalho, não vão à escola. Vamos todos às ruas, de mãos dadas, pelo nosso Egito. Nós seremos milhões”[3]. E, de fato, milhões têm tomado as ruas do Egito.
Como quem acha que trinta anos no poder é pouco, Hosni Mubarack, desesperado, tem feito de tudo para garantir mais alguns. Renunciar? Jamais. Destituiu todos os ministros, cortou a internet, bloqueou celulares, decretou toque de recolher e nomeou um vice-presidente. Por último, declarou que não irá concorrer a reeleição, que deve ocorrer este ano. Mas quem acredita em suas promessas?
Cobrindo tudo, a rede de TV Al Jazeera [4]mostrou confrontos entre o povo, pedindo a saída de Mubarak, e um grupo pro-Mubarak. A rede já teve seis jornalistas presos, mas não se intimidou e denunciou que entre manifestantes pro-Mubarak foram encontradas identidades de policiais. Boa estratégia: colocar policiais à paisana fingindo serem civis apoiando o ditador.
E como quem vê a barba do vizinho arder põe a sua de molho, o Rei Abdullah[5], da Jordânia, destituiu seu ministério e nomeou um novo primeiro ministro. Milhares de pessoas estão indo às ruas e o rei quer evitar o pior.
Confrontado com vários protesto no Iêmen, o presidente Ali Abdullah Saleh, no poder há 32 anos, declarou que não pretende concorrer `a reeleição[6], nem fazer de seu filho o novo presidente. Convocou para hoje, 2 de fevereiro, uma reunião do Parlamento e do Conselho consultivo do país.
Na Síria, onde o Facebook é proibido, tem sido convocado pela internet um “Dia de Fúria” em Damasco[7]. De algum modo, as pessoas conseguiram furar o bloqueio e se reúnem numa comunidade do Facebook chamada “Revolução Síria 2011”[8].
Protestos têm acontecido, ainda, na Argélia[9], onde inúmeros jovens pedem mudanças no governos. No Marrocos[10], o Movimento Liberdade para a Democracia Agora convocou para 20 de fevereiro, através da rede social Facebook, manifestações para as principais cidades marroquinas. Em Cartum, capital do Sudão, também ocorrem manifestações, organizadas principalmente através da internet – Facebook. O líder Omar al-Bashir se encontra no poder desde 1989. Vários manifestantes já foram presos e há notícias de morte[11].
Claro que em cada lugar os protestos possuem suas especificidades. Mas têm sido conduzidos sobretudo por jovens, através da internet e suas redes sociais. A propósito, onde estão aqueles que dizem que a internet e as redes sociais segregam as pessoas e impedem a ação?
A China não faz parte do mundo árabe. Aparentemente não há levantes populares. Mas, por via das dúvidas, o governo bloqueou todas as notícias sobre o Egito. Claro, a internet em primeiro lugar.
[1] Mohamed Bouazizi: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mohamed_Bouazizi
[2] Blog de Mona Eltahawy: http://www.monaeltahawy.com/blog/
[3] Egito: http://www.dw-world.de/dw/article/0,,14797399,00.html
[4] Al Jazeera: http://english.aljazeera.net/
[5] Protestos na Jordânia: http://www.jornaldigital.com/noticias.php?noticia=25181
[6] Protestos no Iêmen: http://www.parana-online.com.br/editoria/mundo/news/508746/?noticia=PRESIDENTE+DO+IEMEN+CONVOCA+REUNIAO+ANTES+DE+PROTESTO
[7] Protestos na Siria: http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,sirios-usam-facebook-e-twitter-para-organizar-protestos-em-damasco,673890,0.htm
[8] Síria no Facebook: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/02/protesto-contra-monocracia-corrupcao-e-tirania-vai-ser-nesta-sexta-manifestacao-e-inspirada-pelos-levantes-na-tunisia-e-no-egito.html
[9] Protestos na Argelia: http://www.jornaldigital.com/noticias.php?noticia=24865
[10] Protestos no Marrocos: http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=1771892
[11] Sudão: Estudante Morre Após Protestos: http://www.tvi24.iol.pt/internacional/sudao-manifestacao-sudao-manifestacao-yasser-amamn-khartoum-tvi24/1229704-4073.html