O Caso UNIBAN

Por Lindevania Martins

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Imagem: Guernica, de Pablo Picasso.

Sempre se imaginou que as universidades fossem ocupadas por  uma  elite intelectual. Um fato ocorrido na UNIBAN de São Bernardo dos Campos-SP, no último dia 22, pôs tal afirmação  em cheque.

Desde a semana passada, circulam no YouTube vídeos em que uma moça de  20 anos, estudante de Turismo naquela instituição, foi agredida  e ameaçada de estupro por conta de um vestido curto. A jovem[1] foi obrigada a se trancar numa sala de aula  e só pôde sair da universidade com proteção policial, sob os gritos de “puta” e “vagabunda” de uma multidão de  alunas e alunos imersos igualmente em fúria e contentamento.

Em cena: conservadorismo, hipocrisia e escassa cultura.

Demonstra-se profunda indignação perante uma peça de vestuário. Mas nenhum frente aos graves problemas coletivos do nosso tempo. Esses mesmos jovens que reagem de forma tão violenta a um vestido curto são indiferentes à política, às questões ambientais, à ética. Indiferentes, portanto, ao próprio futuro, pois de respostas adequadas a tais questões depende a sobrevivência digna do gênero humano.

Há poucos dias, foi postado neste blog um texto[2] sobre “O Homem Medíocre”, de Ingenieros.  Retratos do que vemos todos os dias por aí. E por aqui. Homens e mulheres sem qualquer inclinação questionadora, condenados a morrer na ignorância de que sua principal miséria advém da falta de cultura. Intolerantes porque a preguiça intelectual os obriga a ser assim. Se sozinhos não se sentem autorizados a cometer declaradas vilezas, em rebanho, protegidos pelo anonimato do grupo, o fazem numa proporção gigantesca. O que se observou na UNIBAN foi uma histeria coletiva que resultou num linchamento moral: reações de massa sem qualquer abertura ao pensamento crítico, expondo o lado mais sombrio e perigoso da mente conservadora[3]. Pergunta-se o que mais teria acontecido sem a intervenção da polícia.

Em 1881, Gustave Flaubert publicou “Dicionário das Idéias Feitas”[4], ficção combatendo o preconceito e o pensamento imóvel, cuja atualidade e necessidade se confirma mais de um século depois: o que se viu no último dia 22 deriva de concepções preconceituosas, machistas   e medíocres que desqualificam mulheres e as tornam vítimas preferenciais de abusos sexuais; que desqualificam homossexuais e os tornam vítimas de assassinatos; que desqualificam  negros; ateus.

Enquanto o filósofo francês Gilles Lipovestki[5] identifica nosso tempo com tolerância, aceitação da diversidade e redução da violência, os alunos da UNIBAN mostram que ficaram presos em algum lugar do passado.  Talvez na Idade Média, onde mulheres eram acusadas de bruxaria por serem mulheres. Talvez na primeira metade do século passado, onde judeus eram executados por serem judeus.

Referências:


[1] Disponível na internet: http://virgula.uol.com.br/ver/noticia/news/2009/10/29/226703-aluna-da-uniban-garante-vou-voltar-nem-que-seja-com-escolta. Acessado aos 30.11.09.

[2] Disponível neste blog: https://catalogodeindisciplinas.wordpress.com/2009/10/17/o-que-estou-lendo-%E2%80%9Co-homem-mediocre%E2%80%9D/ .

[3] MARTINS, José de Souza. Linchamento: o lado sombrio da mente conservadora. Disponível na internet: http://www.fflch.usp.br/sociologia/temposocial/pdf/vol08n2/linchamento.pdf. Acessado aos 30.11.09.

[4] FLAUBERT, Gustave. Dicionário das idéias feitas. São Paulo: Nova Alexandria, 2008.

[5] LIPOVETSKI, Gilles. A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo.  São Paulo: Manole, 2005.

Merda de Artista

Por Lindevania Martins

Merda de artista

O artista plástico Piero Manzoni organizando latas de conserva com suas próprias fezes.

Em 1917, Marcel Duchamp chocou o mundo das artes.

Retirou o  urinol do banheiro e o trouxe para o espaço principal de  uma exposição artística.   Inventou, assim, o “ready-made”: o uso de um objeto cotidiano e não-artístico como… artístico.

Ao utilizar elementes pré-existentes, afastando  seus usos comuns em prol de usos novos de acordo com  certos conceitos, Duchamp  também afastou a necessidade da técnica visto a desnecessidade de dominar a matéria-prima, ampliou os limites da arte e abriu a possibilidade, talvez, a qualquer um  de ser artista. Por outro lado, forçou uma nova postura do público de arte, confrontado com obras questionadoras,  provocativas, incômodas.

Em 1961, foi a vez  Piero Manzoni.

O italiano pensou, elaborou e apresentou uma obra inédita. Visceral e íntima por excelência, para a qual não deu o sangue, mas algo que poderia ser extraído do seu corpo com menos sacrifício e de forma mais natural.

Trata-se do trabalho “Merda d’Artista”: fezes de Manzoni enlatadas e vendidas  a peso pelo equivalente a 1 euro. Foram um sucesso. As 90 latas  de conserva se espalharam por vários museus pelo mundo, incluindo os respeitáveis Tate de Londres,  MoMa de Nova Iorque e o Georges Pompidou de Paris.  Nos rótulos das latas, podia-se ler: “Merda d’artista, numerata, firmata e conservata al naturale”. Alguns anos depois, algumas dessas latas explodiram, por conta de corrosão e da expansão dos gases.

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“Vendo uma idéia. Uma idéia dentro de uma lata”. (Piero Manzoni)

A obra do italiano engrossou a discussão sobre os limites da arte. Dicussão esta que continua até hoje, com novos protagonistas engendrando com frequência rupturas pobres. Manzoni questionava as formas tradicionais da arte, seus objetivos e métodos.  Entre suas influências, são citados, além do próprio Marcel Duchamp, Jackson Pollock e Yves Klein. Embora tenha sido o primeiro artista plástico a realizar algo tão radical, poetas como Antonin Artaud já haviam tomado a “merda” como tema. Milan Kundera, em “A Insustentável Leveza Ser”, discorreu logamente sobre os hábitos fecais e banheiros em diversas partes do mundo. Por aqui, o brasileiro Rubem Fonseca escreveu o conto “Copromancia” cujo protagonista era obcecado por seus resíduos.

Manzoni também produziu outros trabalhos polêmicos.  Em 1958, vendeu balões preenchidos com ar de sua própria respiração: quem os adquirisse poderia respirar o “ar do artista”.  Em 1960, imprimiu suas expressões digitais como assinatura em ovos cozidos e convidou o público para comê-los. Toda a exposição, cujo nome era “Consumação da Arte”, foi devorada em 70 minutos. Em 1961, criou um pedestal chamado “Base Mágica”: quem nele subisse se transformaria em uma obra de arte. Chegou a pensar em encher garrafas com seu sangue e vendê-las.  Mas nesse caso, ficou só na intenção.

Enquanto alguns aplaudem Manzoni, outros dizem que esse ato de excreção, e não de criação, justifica a expressão de que a arte contemporânea é merda.  Literalmente. Quando tudo tem sentido, nada tem sentido. Quanto tudo tem valor, nada tem valor, pois tudo se torna intercambiável.

Enquanto o italiano fez trabalhos com seus resíduos corporais, o brasileiro Vik Muniz recria símbolos mais do que conhecidos da arte mundial, como a Monalisa de Da Vinci ou o Che Guevara de Andy Warhol, utilizando também materiais inusitados, embora muito mais caros que os utilizados por Manzano, como diamantes;  gostosos, como chocolate ou manteiga de amendoim; ou doces, como acúcar. Ou não tão asquerosos, como lixo. Aqui, o mais importante é o uso inusitado do que o que está sendo criado. Digo, recriado.  Não seria isso uma forma de perseguir originalidade por vias oblíquas?  Expressão de uma necessidade narcisística de instaurar “qualquer coisa” nova?

Em  2007, Manzoni teve uma de suas obras vendidas por mais de 1 milhão de libras.  Uma lata com fezes, hoje rara, alcançou há pouco anos o valor de 120 mil libras. O alto  preço de suas obras no mercado não desatualiza a pergunta que se faz desde os anos 60: será isso arte?

E por outro lado: será que Manzoni não foi levado a sério demais? Será que tudo que ele queria não era rir da arte, inclusive da própria?  Rir de nós?

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Página oficial do artista, falecido em 1963, com apenas 29 anos de idade:

http://www.pieromanzoni.org/index_it.htm

As Invenções Mais Estúpidas do Mundo

A Life Magazine publicou uma série de 30 fotos com as invenções mais estúpidas do mundo. Dignas das Organizações Tabajara. Confira:

Hubbard Electrometer, 1968

Criado pelo escritor de ficção científica L. Ron Hubbard. Sua intenção era medir a intensidade da “dor” do tomate ao ser partido ao meio.

Foto: Evening Standart /Getty Images.

Cigarette Pack Holder, 1955

A maneira mais fácil de fumar um cigarro depois do outro.

Foto: Jacobsen /Getty Images.

Foto: Jacobsen /Getty Images.

Sauna Portátil, de 1962

Solução para os problemas de espaço. Quer dizer, de falta de espaço.

Foto: Yale Joel/ Time & Life Pictures /Getty Images.

Foto: Yale Joel/ Time & Life Pictures /Getty Images.

Prancha de Surf Motorizada, de 1948

Porque pegar onda não será mais exclusividade dos garotos sarados e bronzeados da praia.

Foto:  Peter Stackpole / Time & Life Pictures /Getty Images.

Pegador de Cigarros  Com Proteção Para Dias Chuvosos, de 1954

Mais uma para os fumantes inveterados. Não saia na chuva sem o seu.

Foto: Yale Joel

Controlador de Cães, de 1962

Para garantir que o cão não sumirá das garras dos donos. Ops! Dos olhos.

Foto: BIPS /Getty Images.

Sub-Metralhadora de Cano Curvo, de 1953

Para usar em cantos ou esquinas: atire primeiro, depois  surpreenda-se ao ver no que acertou!

Foto: Keystone /Getty Images.

Foto: Keystone /Getty Images.

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Para conferir as outras  invenções, acesse a Life:

Saramago Contra a Igreja

"Sempre fui um ateu tranquilo, mas que agora estou mudando de ideia".

“Sempre fui um ateu tranquilo, mas agora estou mudando de idéia”. (José Saramago)

Na semana passada, uma das personalidades mais procuradas nas redes de busca brasileiras foi o português José Saramago, cujo livro “Ensaio Sobre a Cegueira” chegou  no final do ano passado às telas brasileiras em adaptação cinematógrafica.

O que levou Saramago a ser objeto de tanta atenção não foram seus livros. Muito menos o filme de Fernando Meirelles. Mas algo bem diverso.

Um dos mais respeitados intelectuais contemporâneos e ateu confesso, Saramago acusou o papa Ratzinger de cinismo e declarou: “”As insolências reacionárias da Igreja Católica precisam ser combatidas com a insolência da inteligência viva, do bom senso, da palavra responsável. Não podemos permitir que a verdade seja ofendida todos os dias por supostos representantes de Deus na Terra, os quais, na verdade, só têm interesse no poder”.

Saramago não está sozinho. Ao longo das história, inúmeros pensadores têm se levantado com veemência contra igrejas e religiões.

Ludwig Feurbach disse que a religião promove um esvaziamento no homem e é anti-humana. Nietzsche afirmou a necessidade do homem romper com a religião para atingir o vigor da vida. Bertrand Russel identificou a religião como um sistema rígido que exclui o questionamento livre e preenche mentes com hostilidades fanáticas. Sigmund Freud entendeu a religião como neurose coletiva. E aqui, não falaremos  o nome de quem disse que a religião é o ópio do povo. Afinal, como Saramago, todos já estão carecas de saber.

A Igreja é contra o uso de anticoncepcionais e preservativos. Prática condizente com sua intenção de dominar os corpos. E os prazeres. A interdição a estas práticas de saúde pública e controle de natalidade abrigam antigas concepções que negam prazer ao ato sexual ao restringi-lo a fins meramente reprodutivos. Práticas obtusas que condenam `a miséria física e espiritual. É que o sonho da igreja, já disse Saramago, “é nos transformar em eunucos”.

O medo sempre foi a mola propulsora da religião: medo da morte,  do diabo, da divindade, do inferno, da solidão.  Medo de uma existência sem pai. Mas o nosso tempo libera o escritor de outros medos.

Do medo de ser queimado – vivo, se estivéssemos na Idade Média.  Do medo de ter seus livros incluídos no Index Librorum Prohibitorum, a lista negra de livros proibidos pela igreja, se estivéssemos em algum lugar antes de 1966. Mas Saramago não tem medo. Aos 86 anos, é um velhinho incontrolável.

Hoje, para puni-lo, impossível a fogueira. Impossível o Index Librorum Prohibitorum. Impossível a excomunhão. A igreja, coitadinha, está de mãos atadas.

Nada mais lhe resta senão condená-lo a arder eternamente no fogo escaldante do inferno.  Tudo em que Saramago não  acredita.

Por Lindevania Martins.

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Em tempo:

Blog do José Saramago: http://caderno.josesaramago.org/

 

O Que Estou Lendo: “O Homem Medíocre”

Lindevania Martins

Imagem: "Gula", de Bosch. "No verdadeiro homem medíocre, a cabeça é um simples adorno". (José Ingenieros).

“No verdadeiro homem medíocre, a cabeça é um simples adorno”. (José Ingenieros). Imagem: Hieronymus Bosch.

Descobri o livro “O Homem Medíocre”[1] no começo do ano, fuçando na internet, e ele logo ganhou um lugar  na minha “lista de objetos de consumo”. De férias em Florianópolis-SC, fuçando dessa vez em livrarias reais, “O Homem Medíocre” caiu nas minhas mãos.

Seu autor, o argentino José Ingenieros [2] (Palermo,1877 – Buenos Aires, 1925), possuía múltiplos talentos: foi médico, filósofo, criminologista, professor, sociólogo, etc.  É um dos maiores intelectuais da América Latina e da Argentina. Na área jurídica, é famoso pelos seus estudos em criminologia.

“O Homem Medíocre”  se  originou das lições ministradas por ele em 1911, quando professor da Faculdade de Filosofia e Letras, em Buenos Aires. Em Madrid, em 1913, ocorreu sua primeira impressão. Pretendia ser uma advertência aos jovens dos efeitos danosos de uma vida pequena e acomodade e, de fato, parece ter surtido efeito: sob sua  influência, aqueles jovens  protagonizaram a Reforma Universitária de 1918, na Argentina.

Numa escrita forte e sem meio termos,  o argentino demonstra todo seu desprezo pelo  que classifica de homem medíocre e afirma a necessidade de estudá-los: “Nenhum homem é excepcional em todas as suas atitudes. Mas não se poderia apenas definir como medíocres os que não sobressaem em nenhuma. Os medíocres desfilam diante de nós como exemplares de história natural, com o mesmo direito dos gênios. Já que existem, é preciso estudá-los”.

E isso o autor faz com mérito: estuda, desnuda, disseca. Mas, para começo de conversa, vamos  entender o que é o homem  medíocre para Ingenieros.

O homem medíocre é aquele cuja ausência de caracteres pessoais impede que se possa distinguir entre o mesmo e a sociedade, vivendo sem que se note sua existência individual, permitindo que a sociedade pense e deseje por ele. Vive uma vida sem biografia, com moralidade de catecismo e inteligência limitada, preguiçosa que é em suas concepções intelectuais. Projetados pela sociedade, são essencialmente imitadores, perfeitamente adaptados para a vida em rebanho, refletindo rotinas, preconceitos e dogmatismos úteis para a sociedade.


O homem medíocre é sinônimo de homem domesticado, se alinhando com exatidão às filas do convencionalismo social: faz como todos fazem. Sua principal característica é a deferência pela opinião dos outros, pelo que Ingenieros os chama de “escravos das sombras”: não vivem para si, mas para o fantasma que projetam na opinião de seus similares, para a aparência, preferindo o fantasma a si mesmos.

Porque pensam sempre com a cabeça social e não com a própria, são a escora mais firme de todos os preconceitos políticos, religiosos, morais e sociais.

Os medíocres  são obras dos outros e estão em toda parte: maneira de não ser ninguém  e não estar em nenhum lugar”. (José Ingenieros).

Ingenieros adverte dos perigos:

a)      Associações de medíocres – embora débeis individualmente, medíocres associam-se aos milhares para oprimir os que não comungam com a rotina;

b)     Educação oficial – tenta apagar toda originalidade inculcando os mesmos preconceitos em cérebros diferentes;

c)     Contágio mental  – um estúpido nunca se torna original por contato, mas é comum um homem de pensamento original ver-se apagado entre simplórios, pois é mais contagiosa a mediocridade que o talento;

d)     Velhice – após certa idade a inteligência entra em declínio e a velhice pode tornar medíocre o homem superior, e ao homem medíocre, decrépito.  Mas há homens que por exceção mantém  íntegras suas funções mentais e permanecem jovens, como há os que nunca foram jovens.

Todos os rotineiros são intolerantes;  sua escassa cultura os condena a ser assim”.  (José Ingenieros).

No entanto, Ingenieros, aponta um aspecto positivo sobre o homem medíocre: são eles que realizam os idéias dos grandes homens. Desprovidos de iniciativas pessoais, com encantadora ausência de idéias próprias, aguardam e realizam os impulsos e sugestões de homens melhores. O problema é que as rotinas defendidas hoje pelos homens  medíocres são simples imitações coletivas dos ideais concebidos pelos homens originais, pelo que aqueles estão sempre em descompasso com as novas ideias  e perseguindo os inovadores de seu tempo.

“O grosso do  rebanho social vai ocupando, a passo de tartaruga, as posições atrevidas conquistadas muito antes por seus sentinelas perdidos na distância; e estes já estão muito longe quando a massa acredita estar alcançando a retaguarda”.

Concebido no começo do século passado, já se vão quase cem anos que Ingenieros escreveu sobre homens e mulheres sem ideais, sem questionamentos, pragmáticos, perdidos numa rotina rasa e automática de repetição e aversão aos pensamentos divergentes. Impossível não perguntar: será que o texto ainda guarda alguma atualidade ?

Referências:


[1] INGENIEROS, José. O Homem Medíocre. Curitiba: Chain, s/data.

[2] TOMASINI,  Maristela Beggi. Vida e Pensamento. Disponível na internet: http://www.scribd.com/doc/8008935/Vida-e-Pensamento-de-Ingenieros Consultado aos 16.10.09.

Cinema: Bastardos Inglórios

Lindevania Martins

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Foto: Divulgação

Finalmente chegou ao Brasil o novo filme de Quentin Tarantino: Bastardos Inglórios.

O filme é um sucesso e em razão disso são inúmeras as resenhas que surgiram sobre o mesmo nas mídias tradicionais e na internet. Assim, não pretendia repetir aqui o que pudesse ser lido em outros lugares, mas chamar atenção para aspectos menos elaborados em outras resenhas sobre o filme. No entando,  algumas repetições se fazem necessárias.

O título em português, pomposo e culto, se opõe ao título original em inglês, “Inglourious Basterds”, que contém propositais e evidentes erros ortográficos, insinuando que  um sentido se perdeu ali naquela tradução que se pretendia literal.

Entre o corpo de atores, o nome de maior apelo popular é Brad Pitt, intérprete do tenente americano Aldo Raine, líder dos Bastardos. No entanto, é um ator austríaco ainda pouco conhecido por estas bandas, que interpreta o educado, cruel e violento coronel nazista Hanz Landa, que impõe sua presença com força e persistência: Christoph Waltz, vencedor do prêmio de melhor ator no Festival de Cannes pela interpretação do personagem, além de ter recebido inúmeros convites para novas atuações.

Ao lado de personagens caricatos, Hanz Landa é ricamente construído, o que tornou muito difícil para a produção e o diretor encontrar o ator ideal para vivê-lo: culto, poliglota, perverso.

Nas mais de duas horas e meia de duração do filme – que não se fazem sentir, passeiam pela tela a exuberância visual, os diálogos longos, a violência estilizada, o  humor nada sutil e as histórias independentes que só se cruzam no final, típicos de Tarantino.

Todas as ações principais se passam na França invadida pelas tropas alemães durante a 2ª Guerra Mundial e várias línguas se sucedem na tela: francês, inglês, alemão e italiano.  Nem sempre as pessoas se entendem e essas diferenças lingüísticas denunciam identidades  e complôs.


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Quentin Tarantino em ação

Entre os protagonistas do filme, o próprio cinema: as ações decisivas do filme se desenrolam num cinema; dentro do filme de Tarantino, se assiste a um outro: “Orgulho da Nação”; se vêem os bastidores das salas se exibição; os efeitos do cinema e da imagem são tão importantes que Hitler em pessoa comparece a uma estréia para aproveitá-los, etc. Metalinguagem pura.

Mais uma vez, Tarantino leva às telas seu cinema autoral num filme sem compaixão: a crueldade se encontra em todos os lados e todos a utilizam da mesma forma, na proporção dos seus recursos, os fins justificando os meios, para o desespero dos politicamente corretos. Mas Tarantino nunca esteve preocupado em ser politicamente correto e já está acostumado às acusações de que  promove violência gratuita. Violência permeada de humor que faz rir com a morte e com  o horror, embora muitas vezes um riso culpado.

Se a filósofa Hannah Arendt[1], quando escreveu “Eichmann em Jerusalém”, afirmava que os judeus partiam para a morte como cordeiros para  o abate, sem resistência, Tarantino trilha o caminho inverso.  No universo por ele construído, em ações isoladas ou coletivas, os judeus agem, reagem. Destróem. Às vezes, com o mesmo deleite de Hanz Landa, pelo que foi chamado de “pornô de vingança judaica”, pelo jornal americano “Jewish Daily Forward”.

Decepcionando os defensores da exatidão histórica, Tarantino propõe um desfecho diferente para uma história muito conhecida por todos.  E assim, reinventando o passado, nos faz lembrar que a realidade que vivemos é apenas uma que vingou entre as inúmeras possíveis.

 

Referências:



[1] ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: Relato sobre a banalidade do  Mal (Trad. José Rubens Siqueira). São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

 

Desambiguação: Francis Bacon

Lindevania Martins

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Bacon, o filósofo

Em maior ou menor medida, todos já devem ter ouvido falar de Francis Bacon., o filósofo, político e ensaísta  inglês do século XVI. Considerado fundador da ciência moderna, Bacon sempre fez parte dos currículos das escolas secundárias, ainda que vagamente. Pelo menos, na minha escola, no interior do Maranhão, quando estudávamos o Renascimento.

Criticando Aristóteles e a Escolástica, Bacon  acreditava que o conhecimento científico tinha por finalidade servir ao homem  e que este só podia ser alcançado através da eliminação de preconceitos, aos quais ele chamava de ídolos e que apontava como fontes de erro no espírito humano, classificando-os em quatro tipos:

1) Ìdolos da tribo – relacionados à  tendência inerente á tribo humana de simplificação das coisas, tomando como certo o que é mais favorável ou conveniente, como ocorre na astrologia, alquimia e cabala;

2) Ìdolos da caverna –  remete ao mito da caverna de Platão e decorre da própria educação e da pressão dos costumes sobre cada indivíduo, que reagirà a ela de maneira diversa;

3) Ídolos da vida pública, de foro ou de mercado – vinculados à linguagem, à sua ambiguidade e ao mau uso que dela fazemos: uma mesma palavra tem sentidos diferentes para os interlocutores, o que pode levar a uma aparente concordância entre eles;

4) Ídolos da autoridade ou de teatro – originados da irrestrita subordinação à autoridade.

Entre seus livros, podem ser encontrados atualmente nas livrarias brasileiras: “Ensaios Sobre Moral e Política”, pela Edipro; O Progresso do Conhecimento”, pela UNESP; “Da Proficiência e o Avanço do Conhecimento Divino e Humano”,  da Madras; e “Ensaios de Francis Bacon”, pela Vozes, entre outros.

Mas existe um outro Francis Bacon. Menos conhecido que o primeiro, porque raramente freqüenta currículos escolares  e porque é uma figura mais recente, de grande influência nas artes plásticas da segunda metade do século XX.

photo: Francis Bacon © Bill Brandt, 1963.

photo: Francis Bacon © Bill Brandt, 1963.

Nascido em Dublin, na Irlanda, mas tendo vivido quase toda sua vida em Londres, Francis Bacon foi principalmente um figurativista. Como Andy Warhol, de quem já tratei anteriormente neste blog. Ambos polêmicos e autores de obras que valem milhões de dólares – as semelhanças terminam aí. A produção artística de Bacon nunca foi exatamente palatável e talvez  o mesmo nunca tenha recebido encomendas de retratos, como Andy Warhol. A não ser de inimigos daqueles que deveriam ser retratados. Bacon retratava a si mesmo, amigos,  amantes,  e outros a partir de pinturas ou fotografias, numa imagem humana enquanto desumana[1].

Usava cores mais sombrias e trabalhava com temas transgressores, viscerais, de menor apelo popular, enquanto Warhol usava geralmente cores iluminadas e não-realistas e objetos retirados da cultura pop e de massa, que seriam devolvidos e consumidos por esta mesma cultura. Enquanto Andy Warhol  na grande maioria de suas obras plásticas conforta, Bacon desconforta com seu corpos distorcidos e contorcidos. Alias, Warhol conseguia essa sensação de desconforto com seus filmes e mesmo com algumas de suas obras plásticas bem menos conhecidas, como a série “Death and Disaster” –  reproduções monocromáticas de desastres de automóvel e de uma cadeira elétrica.

Francis Bacon, Pope II (Pope Shouting), 1951
Francis Bacon, Pope II (Pope Shouting), 1951


Francis Bacon tinha muitas obsessões. Uma delas era o filme “O Encouraçado Potemkin”, que dizem que o mesmo assistiu mais de 16 vezes. Outra eram os açougues, descritos por ele como locais de orgia da cor e como catedrais: sempre que de um deles saía,  sentia-se aliviado por não ser ele o sacrificado no altar bárbaro e laico erguido com o sangue e as vísceras de outros animais[2].

Há vários escritos sobre Francis Bacon. Entre as já publicadas em português, obras do filósofo Giles Deleuze[3] e  do crítico inglês David Sylvester[4]. Enquanto Sylvester foi seu amigo íntimo, Deleuze só encontrou Bacon uma vez na vida,  quando já havia lido a obra  na qual Sylvester pergunta a Bacon se o mesmo procurou deliberadamente o horror.

Não direi a resposta.


“(…) o que me importa num rosto é o que muda. Minha grande aventura é constantemente ver surgir algo desconhecido num mesmo rosto.” (Francis Bacon)

Referências:



[1] LUZ, Rogério. O Corpo Desfeito por Francis Bacon. Disponível na Internet: http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-24302000000200003&lng=pt&nrm=. Consultado em 10.10.09.

[2] GONÇALVES FILHO, Antônio. Caderno 2. Estado de São Paulo. Disponível na Internet: http://www.cosacnaify.com.br/LOJA/resenhas.asp?codigo_produto=101&language=pt. Consultado em 10.10.09.

[3] DELEUZE, Gilles. Francis Bacon. Lógica da Sensação. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2007.

[4] DAVID, Sylvester. Entrevistas com Francis Bacon. A Brutalidade dos Fatos.  São Paulo:  Cosac Naify, 2007.

Idéias Bizarras: Agnaldo Timóteo

Lindevania Martins

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Foto: Dia do Circo

Agnaldo Timóteo era o cantor preferido da minha avó. Entre seus grandes sucessos,  a música “Mamãe“, que Agnaldo cantava com seu vozeirão quando já tinha cerca de 30 anos de idade e cuja letra dizia: “Mamãe, estou tão feliz / Por que voltei pra você/ Alguma coisa me diz / Que hoje eu volto a viver. / Penso feliz ao seu lado. / Viver distante por que? / Mamãe só pra você eu cantarei agora. / Mamãe, a solidão foi para sempre embora/ (…)/ Toda minha vida. / Eu só desejo ao seu lado viver”.

Iniciou-se na política em 1982 como o deputado mais votado do Rio de Janeiro, com cerca de 600 mil votos. Desde então seus votos vêm minguando e na sua última eleição para vereador em São Paulo obteve pouco mais que 26 mil votos.

Não são raros os casos em que famosos migram da mídia para a política, no Brasil ou em outros lugares.  Na Itália, a ex-atriz pornô Cicciolina, ,deputada na década de 80 e fundadora do Partido do Amor em 1991. Nos Estados Unidos, o Governator Arnold Schwarzenegger e  bem  antes, Ronald Reagan que, ao chegar a presidente, já havia atuado em mais de 20 filmes.


Por aqui, o apresentador Clodovil conseguiu se eleger o terceiro deputado federal mais votado do país, em 2006, graças à sua exposição como apresentador de tevê. Entre seus projetos como deputado, a criação do Dia da Mãe Adotiva. Nas últimas eleições, o pagodeiro e apresentador Netinho de Paulo foi o terceiro vereador mais votado em São Paulo. No entanto, a cantora e atriz pornô Gretchen, candidata à Prefeitura de Itamaracá, em Pernambuco, amargou a derrota nas urnas, no que foi acompanhada por sua colega Rita Cadillac, candidata à vereadora em São Paulo.  Na lista dos derrotados, ainda constam  o ator/apresentador Sérgio Malandro, o ator pornô Kid Bengala e o dançarino de funk Lacraia (pocotó…pocotó…minha eguinha pocotó.).

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Kléber Bambam quer "levantar a bandeira do povo”.

Fazendo jus à longa lista de aspirantes, o ex-bigbrother Kleber Bambam já declarou publicamente suas intenções de se candidatar a algum cargo político porque quer “levantar a bandeira do povo”, assim como o humorista Dedé Santana que, se eleito deputado federal, fará  com que tenhamos o primeiro trapalhão assumido no Congresso.

Como para provar que não é aí que estão as melhores cabeças, é do vereador Agnaldo Timóteo uma das idéias mais  inúteis e estaparfúdias dos últimos tempos: trocar o nome do Parque Ibirapuera em São Paulo para “Parque Ibirapuera Michael Jackson” e da Sala São Paulo para “Sala São Paulo Michael Jackson”.

Recebeu inúmeras críticas e graças a esta exposição voltou a ser assunto nacional, usando a oportunidade para divulgar outras idéias, embora diversas, do mesmo quilate intelectual. Tendo desistido da homenagem a  Michael Jackson, seu novo projeto é emplacar sua música  “Rio, Cartão Postal do Brasil”, como hino das Olimpíadas.

Foi publicada hoje, 08 de outubro, uma entrevista de Agnaldo Timóteo no site Yahoo![1] onde o mesmo expõe seus pensamentos sociais e políticos. Alguns trechos da entrevista:

(…)

Yahoo!:  Por que a escolha do parque do Ibirapuera e da Sala São Paulo [para a homenagem a Michael Jackson]?

Agnaldo Timóteo: A Sala São Paulo porque é linda, com eventos de grande importância. É uma casa muito bonita e, pela grandiosidade do nome do Michael, eu achei que valia a pena. Em Londres, eles promovem um evento para perpetuar o nome do Michael… a mesma coisa aconteceu em Paris, em Istambul, em Lisboa. Acho que São Paulo, uma das mais importantes metrópoles do mundo, também deveria fazê-lo. Uma estátua do Michael Jackson não valorizaria o parque? Está de brincadeira, porra. “Homenagem do povo de São Paulo ao ídolo pop Michael Jackson”. Quantas pessoas não iriam quer tirar uma foto ao lado do crioulo [risos]. Mas já não penso mais nisso. É passado.

(…)

Yahoo!: Como integrante da Comissão Extraordinária de Defesa dos Direitos da Criança, do Adolescente e da Juventude, o senhor não acha conflitante a homenagem a alguém envolvido em acusações de pedofilia?

Agnaldo Timóteo: Não há nenhum  conflito. É absolutamente pertinente prestar uma homenagem a quem foi tão importante no mundo das artes. O resto ficou nas ilações. O depoimento da filhinha dele foi muito importante para que nós pudéssemos dimensionar quem ele foi realmente. Ele foi o melhor pai do mundo. Mas duas famílias o chantagearam falando que ele tinha cantado os meninos, como se fosse novidade hoje menino de 14 anos fazer “avenida”, como tem na Paulista, fazendo trottoir [calçada, em francês; expressão também é empregada para prática de prostituição]. Rapazes de 16 anos estão aí aos montes procurando ganhar um cascalho.

Yahoo!: O senhor acha preocupante o início precoce da vida sexual?

Agnaldo Timóteo: Claro. Mas sexo é uma coisa muito boa. Se os meninos de 14 anos podem transar com todo mundo, as meninas de 16 também têm o direito de fazer sexo. Desde que escolha o seu parceiro, desde que não se vulgarize. Agora não é justo é fazer uma campanha enorme contra a pedofilia enquanto o governo permite que a televisão crie essa imagem que desperta nos malucos dos pedólifos a atração pelas crianças. Isso não é justo. Nós temos nas avenidas de São Paulo e em todo o Brasil meninas lindas, popozudas lindas, fazendo trottoir. O cara vai para cama com uma delas e vai pra cadeia. Isso é uma puta de uma hipocrisia com a qual sempre vou discordar.

Yahoo!: Em 2007 o senhor causou polêmica na Câmara com um comentário assim…

Agnaldo Timóteo:  A Claudete [Alves, então vereadora do PT] queria me dar porrada. Ela queria briga. Se um menino pode transar aos 14, por que uma menina não pode transar aos 16?

Yahoo!: Mesmo se o parceiro for um adulto?

Agnaldo Timóteo: Com uma mulher de 16 anos? Você quer coisa mais linda que o encontro de gerações, meu senhor? Uma menina de 16 anos com um cara de 70 como eu. Não há nada mais lindo do que o encontro de gerações.

Yahoo!: Mas o senhor não vê nada de mau nisso?

Agnaldo Timóteo:  Não, até porque não pode haver nada de mau no sexo. O que pode ser mau é a vulgaridade, a irresponsabilidade, não usar o preservativo, vender o corpo… como em uma matéria que vi na televisão com menina na beira da estrada fazendo sexo oral por dez reais. Isso é que não pode acontecer.

Yahoo!: E o turismo sexual vereador?

Agnaldo Timóteo: Que turismo sexual? As mulheres chegam numa praia de Fortaleza, deslumbrantes, procurando homens e eles é que são culpados?

Yahoo!: Mesmo se essa mulher for menor de idade?

Agnaldo Timóteo: Aí prende o malandro. Agora, uma menina com 16 anos é dona da vida. Uma menina de 16 anos nos dias de hoje, com os meios de comunicação 24 horas dentro de casa, é muito bem informada para saber se quer ou não relação com alguém. Principalmente se elas vão para a beira de praia fazer trottoir. Pelo amor de Deus, não sejamos cínicos de dizer que o cara que a levou para o motel é o culpado. Mas se o cara pegou uma criança de 12 anos, fuzila. E isso está acontecendo tantas vezes, com tanto filho da puta fazendo mal para criança de até 4 anos. Não sei por que prende. Tem que matar.

Yahoo!:  O senhor já expôs essa posição na Comissão?

Agnaldo Timóteo:  Sou radicalmente a favor da pena de morte para os crimes monstruosos. Não tem outro caminho. Se o crime é monstruoso, ajamos como monstros.

(…)

Referência:



[1] http://br.noticias.yahoo.com/s/08102009/48/entretenimento-agnaldo-timoteo-desiste-parque-ibira.html

Andy Warhol: polêmico, louco e irreverente

Lindevania Martins

Andy

Deveria estar estudando para minha prova de francês, mas estou lendo. Trata-se de A Filosofia de Andy Warhol[1], livro do próprio  Andy, escrito com a ajuda de sua secretária Pat Hackett, da amiga  Brigid Polk e do jornalista  Bob Colacello. E de um gravador – com o qual Warhol se declarava casado.

Artista multimídia norte-americano, Warhol é famoso sobretudo por seu trabalho nas artes plásticas, conhecido como o “reinventor da pop art”.  Utilizando técnicas de serigrafia, colagem e uso de materiais descartáveis, bem como tomando emprestados da publicidade motivos e conceitos, produziu, entre outros,  trabalhos usando as latas de sopa Campbell, garrafas de Coca-cola e imagens de artistas populares como Marylin Monroe e Elvis Presley; políticos como Che Guevara e Mao; herdeiras como Jackie Onassis, etc.

Embora menos conhecido como cineasta, Warhol produziu uma cinegrafia vasta, bastante pessoal e experimental: filmes undergrounds e conceituais, usando planos fixos nos quais nada acontece. Por óbvio, não foram nenhum sucesso de público e não renderam dinheiro, tendo sido financiados pelo seu trabalho nas artes plásticas. Em 2005, o  Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-Rio) e o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) exibiram mostras de seus filmes, entre os quais, Sleep, Empire e Blow Job[2].

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Capa da Interview de Dezembro de 1972: Warhol e Grace Jones.

Warhol foi também empresário e atuou como produtor do grupo The Velvet Underground, origem do famoso Lou Reed. Criou a revista Interview. Protegeu Jean Michel Basquiat.  É dele a famosa previsão de que no futuro todos seriam famosos por 15 minutos, tendo se corrigido: “Cansei de dizer que todos, no futuro, serão famosos por 15 minutos. Agora, meu novo aforismo é: em 15 minutos, todos serão famosos.”

O mito Andy Warhol pode ser conferido em filmes que relatam episódios reais da vida do artista, embora não o tenham como protagonista.

Lançando nos Estados Unidos em 20006 e dirigido por George Hicklooper, The Factory Girl tem como personagem central a modelo Eddie Sedgwick (interpretada por Sienna Miller), que foi musa de Andy e conviveu com o mesmo na famosa Factory – estúdio permanente de Andy em Nova Iorque, tendo atuado também em seus filmes. Muitos apontam ter havido um triângulo amoroso pouco convencional entre Sedgwick com Warhol e Bob Dylan. Aliás, Dylan tentou impedir o lançamento do filme[3] e Lou Reed, ao ler o roteiro, disse que este era uma das coisas mais nojentas que já vira[4].

Dirigido por Mary Harron, I Shot Andy Warhol foi lançado no Canadá em 1996. Sua protagonista é Valerie Solanas, freqüentadora da Factory e feminista radical,  autora do livro que se chamou no Brasil “Scum Manifest: uma proposta para destruição do sexo masculino[5], mas cuja tradução literal seria “Scum Manifest: Sociedade para castrar homens”. No ano de 1968, enfurecida por não ter tido o apoio para seus projetos, Valerie atirou três vezes contra Andy. Que não morreu.

Warhol veio a falecer em 1987, após uma operação da vesícula biliar, aos 59 anos de idade. Causa mortis: “arritmia cardíaca”. O mesmo já havia dito sobre a morte: “Eu não acredito nela, porque você não está mais aqui para saber o que aconteceu. Não posso dizer nada a respeito porque não estou preparado para isso”.

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Tela de 1984, encomendada por Michael a Warhol para comemorar o sucesso de Thriller.

Dizem por aí que artista morto vale mais. Então, retratos que eram encomendados a Warhol e que o mesmo executava por cerca de R$ 25 mil dólares, hoje valem muito, muito mais. No mês passado, um ladrão invadiu a casa do milionário americano Richard Weisman, em Los  Angeles, e roubou onze telas de Andy Warhol produzidas entre 1977 e 1979, avaliadas em milhões de dólares[6]. Um retrato de Michael Jackson, pintado em 1984, foi leiloada em agosto por um valor não divulgado, mas que especialistas em arte avaliam que tenha sido mais de dez milhões de dólares[7]. Registre-se que em novembro de 2006, o retrato de Mao havia alcançado a marca dos 17,376 milhões de dólares e que em 2007, Warhol bateu um recorde: sua obra “Green Car Crash” foi vendida por 71,7 milhões de dólares, o maior valor já pago até então por uma obra de arte contemporânea[8].

Publicado originalmente na década de 70 nos Estado Unidos, A Filosofia de Andy Warhol confirmou a personalidade polêmica, louca e irreverente do artista.  Quer conferir?

Andy warhol

“ Para mim é confuso saber a que pertence a imprensa. Sempre acreditei que, se seu nome está na imprensa,  então a imprensa devia pagar você.  Porque é a sua notícia que eles pegam  e vendem como produto deles.  Mas aí eles sempre dizem que estão ajudando você, e isso é verdade também, mas mesmo assim, se as pessoas  não derem notícias  à imprensa e se todo mundo guardar as notícias para si mesmo a imprensa não terá notícias. Então, acho que um devia pagar o outro. Mas ainda não entendi tudo isso direito”.

“ Comprar é muito mais americano que pensar e eu sou absolutamente americano. Na Europa e no Oriente, as pessoas gostam de comerciar – comprar e vender, vender e comprar; são basicamente mercadoras. Americanos não estão interessados em vender – na verdade, eles preferem jogar fora a vender. O que eles realmente pensam é em comprar – pessoas, dinheiro, países”.

“Acho que tenho uma interpretação muito solta de trabalho porque penso que apenas estar vivo  já é tanto trabalho em alguma coisa que você nem sempre quer fazer.  Nascer é como ser seqüestrado. E depois vendido como escravo”.

“ Depois que você paga a alguém que devia, você nunca mais encontra a pessoa. Mas, antes disso, elas estão em toda parte”.

“Eu gosto da idéia de que as pessoas em Nova Iorque têm que esperar na fila para o cinema. A gente passa por tanto cinemas com filas compridas, compridas; mas ninguém parece infeliz. Hoje em dia custa tanto dinheiro apenas viver que, se você está saindo com alguém, pode passar todo o tempo do encontro na fila; desse jeito economiza dinheiro porque não tem que pensar em outras coisas enquanto está esperando e fica conhecendo a pessoa com quem você está (…)”.

Referências:


[1] WARHOL, Andy. A Filosofia de Andy Warhol: de A a B e de volta a A. Rio de Janeiro: Cobogó, 2008.

[2] Disponível na internet: http://goo.gl/80MP5P

[3] Disponível na internet: http://goo.gl/0mqEq3

[4] Disponível na internet http://www.omelete.com.br/cine/16292.aspx

[5] SOLANAS, Valerie. Scum Manifest: uma proposta para destruição do sexo masculino.  São Paulo: Conrad: 2000.

[6] http://dn.sapo.pt/inicio/artes/interior.aspx?content_id=1360675&seccao=Artes%20Pl%E1sticas

[7] http://br.noticias.yahoo.com/s/19082009/40/entretenimento-vendido-n-york-retrato-michael.html

[8] http://www.cabecadecuia.com/noticias/4684/andy-warhol-atinge-us-71-milhoes-em-leilao-de-arte.html

Quando eu tinha medo

Tomek Setowski

Imagem: Tomek Setowski

 

Lindevania Martins

quando eu tinha medo e não sabia

que Deus também o tinha,

pregava pesados rosários nas paredes

espalhava santinhos com auréolas nas estantes

e sob meu travesseiro azul sempre punha

bolsa com água benta

punhal, não

 

quando eu tinha medo e não sabia

que meus noturnos algozes também o tinham

embrulhava-me feito múmia em lençóis quase sempre brancos demais

dormia com um olho fechado e o outro muito aberto

e rezava baixinho para que amanhecesse logo.

Quando eu tinha medo e não sabia

que todos também o tinham

alimentava a esperança de que um dia

os fantasmas cansariam

da escuridão do meu armário

das sombras das árvores do meu jardim

e do vão sob minha cama

 

já se vão trinta anos e hoje sei

que eles só se escondem dentro de  armários escuros

nas sombras dos jardins

nos vãos sob a cama

porque sentem um medo

mais miserável e amarelo que aquele que experimentei

sempre tecendo inúteis fantasias de que um dia

nos cansemos de segregá-los

de amedrontá-los

de matá-los

 

dos fantasmas que matei

não guardo remorsos

uma ou outra faca

e nada mais.