Anonymous: a internet contra-ataca!

O Megaupload é um maiores sites de compartilhamento de arquivos do mundo. Ou era. Foi fechado nesta semana, após investigação e ação repressiva do FBI, que declarou que o Megaupload fazia parte de uma organização criminosa  mundial de pirataria na internet.

A ação do FBI contra o Megaupload e outros sites  ocorre justamente após a onda  de protestos mundiais contra projetos de lei antipirataria, que restringem a liberdade na internet: os famigerados SOPA e PIPA. Os protestos fizeram com quem vários políticos retirassem o apoio ao Projeto e até mesmo Obama se pronunciasse contra as leis.  A ação do FBI parece afirmar que a repressão não se tornará menor na ausência dessas leis: terão muito mais trabalho, no entanto, continuarão a perseguir os que estão ligados ao compartilhamento.

O caso, porém, também rendeu dor de cabeça para os ianques, que não se limitou às alegações frequentemente inócuas de que tais ações seriam um abuso contra os direitos democráticos na internet.  Anonymous, mais uma vez, entrou em cena. E assim,  como represália ao fechamento do Megaupload, se iniciou um dos maiores ataques do grupo, com mais de vinte e cinco mil computadores atuando através de DDoS, cujos primeiros alvos foram o Departamento de Justiça norte-americano e entidades representativas das indústrias de música e cinema.

DDoS é a sigla para Distribuited Denial of Service. Consiste em bloquear ou sobrecarregar um site através de um grande número de acessos simultâneos que irão gerar um fluxo de  informações igualmente grande ao servidor que, não podendo responder a todos os pedidos, é totalmente bloqueado. Imaginem o site da Receita Federal no último dia da entrega da declaração: todo mundo acessando e por causa dessa grande demanda  o sistema fica lento, quase parando. O DDoS é bem pior, o site fica tão sobrecarregado que pára e sai do ar. É um protesto – semelhante ao que ocorre quando as pessoas vão para a rua com cartazes e impedem a circulação normal de pessoas e veículos. A diferença é que com o DDoS os manifestantes não se expõem ao gás lacrimogênio e aos cassetetes da polícia. Não se rouba nada, não se perde nada. Quando o protesto acaba, o site volta a sua normalidade.

Em artigo publicado nesta semana, na revista Triplecanopy, antropóloga Gabriela Coleman diz que o Anonymous é  por natureza e intenção difícil de definir, pois é um nome utilizado por vários grupos de hackers, ativistas, defensores de direitos humanos, geeks,  etc.; um conjunto de idéias e ideais adotados por estas pessoas e centrados no anonimato;  uma bandeira para ações coletivas on line e no mundo real que vão desde práticas ousadas, mas triviais, ao apoio tecnológico oferecido ao revolucionários árabes, em práticas ora pacíficas e legais,  às vezes ilícitas,  mas frequentemente numa grande área cinza no que tange à moralidade e legalidade.

A antropóloga começou a estudar Anonymous em 2008, quando o mesmo lançou um ataque contra a Igreja da Cientologia. Afirma que o grupo não possui uma filosofia consistente ou um programa político, apesar do compromisso com o anonimato e o livre fluxo de informação, sendo marcado ainda por um coletivo que possui o LOL, a brincadeira, a travessura em diversos níveis,  tímida ou macabra, tanto como um ethos quanto como um objetivo.  As ações do Anonymous, designadas  por ela de irreverentes, frequentemente destrutivas e ocasionalmente vingativas, ofereceria uma lição do que Ernst Bloch chamou de “princípio da esperança” ao trabalhar concomitante como filósofo e arqueólogo, trazendo à tona mensagens esquecidas em canções, poemas e rituais, demonstrando que o desejo de um mundo melhor, independente da época, sempre esteve em nosso meio.

Fazendo um paralelo entre as regras de redes sociais como Facebook,  que exigem que lá se esteja com o perfil verdadeiro, em nome de um alegada transparência, e o anonimato característico do Anonymous, Coleman afirma: “Para os que usam a máscara de Guy Fawks, já associada com o Anonymous, é esta – e não a comercial transparência do Facebook,  a promessa da internet, que implica negociações entre o indivíduo e o coletivo”.

Para saber mais:

COLEMAN, Gabriela. “Our Weirdness Is Free”.  Disponível em: http://canopycanopycanopy.com/15/our_weirdness_is_free. Acessado em: 19.01.12.

E quem quiser contactar o Anonymous no Twitter:

twitter/com/anonymousIRC

O Hacking como Protesto Político

Tradução de entrevista da Gabriella Coleman, antropóloga, professora assistente na New York University – Steinhardt,  por Lindevania Martins.


O que é um hacker? Um hacker têm código de ética?

Quando pensamos no termo hacker, imaginamos moradores de porão digitando furiosamente em  seus teclados com o objetivo de transformar a internet num inferno. Como antropóloga, cujo foco em estudo etnográfico são os hackers e geeks, é importante começar abordando os estereótipos que tanto dominam a percepção pública. De modo mais geral, “hacker”é um técnico que  ama computadores e “hack” é uma inteligente solução técnica que  é obtida  de forma não-óbvia. E não implica em comprometer o Petágono, mudar suas notas, ou derrubar o sistema financeiro global. Embora isso possa acontecer, é num sentido estrito relacionado ao termo. Hackers tendem a valorizar um conjunto de princípios liberais:  liberdade, privacidade e acesso. Tendem a adorar computadores. Alguns obtém acesso não autorizado a tecnologias, embora o grau de ilegalidade varie muito ( e mais, a grande maioria da atividade hacker, sob a definição que eu dei, é realmente legal).  Mas uma vez que se confronte o hackear na prática, algumas semelhanças se diluem num mar de diferenças. Algumas dessas distinções são superficiais, enquanto outras são profundas o suficiente para nos fazer pensar  sobre o hackear em termos de gênero ou genealogias de “hacking” – e meu trabalho  e prática pedagógica  compara e  contrasta várias dessas genealogias, tais como o hacker do software livre e aberto e o hacker underground, que é mais agressivo em seus propósitos.

A atividade hacker é um exercício de liberdade de expressão?

Assim como há níveis de profundidade e variabilidade na atividade hacker, há ricas e distintas conexões entre liberdade de expressão e o hackear. Por exemplo, desenvolvedores de software livre e aberto (que criam softwares tais como o navegador Firefox) estão comprometidos  em  fazer com que as orientações implícitas ao software – código fonte – permaneçam acessíveis para visualização, distribuição e modificação. Eles fazem isso apoiados em novas formas de licença, como o copyleft, cuja lógica tem um contraste bem marcado com o copyright.  Muitos desenvolvedores de software livre também concebem o código fonte como uma forma de liberdade de expressão e desafiam formas de regulação que limitem sua habilidade para escrever e fazer circular o código fonte.

Fale sobre como o hacking tem sido usado como protesto político.

Recentemente a questão do “hacktivismo” tem sido abordada nas manchetes, seguindo a onda de ataques distribuídos de negação de serviço (DDoS) contra Mastercard e Paypal , coordenado por ativistas usando o nome de Anonymous em apoio ao WikiLeaks. Esses eventos deflagraram um acalorado debate sobre  se podiam ser considerados como “hacking” e se esta tática digital poderia ser usada para legitimar dissenso político ou se ela simplesmente serviria para silenciar a livre expressão.

Muitos disseram que o DDoS não é tecnicamente sofisticado o suficiente para ser considerado uma forma de  “hacking”.  No entanto, mesmo que os ataques DDoS não sejam um tipo de “hacking”, uma importante questão  permanece, se  esta tática digital pode ser usada como uma forma legítima de protesto. Os ataques DDoS têm sido relacionados a barricadas, ação direta e desobediência civil digital e, sob um ponto de vista mais crítico, com intimidação virtual, vandalismo e perseguição capaz de impedir que pessoas, grupos, organizações e companhias “falem” na internet. Estes ataques correm o risco de se tornar caóticos, especialmente porque qualquer um pode chamar a si mesmo de Anonymous.

Como antropóloga de política hacker e geek ( e não uma advogada ou jurista), não posso dar uma resposta legal definitiva sobre se as suas  ações constituem formas de liberdade de expressão.  O que é claro, contudo, é que os hackers e geeks tendem a adotar políticas de liberdade de informação de variados modos e criaram fascinantes técnicas legais, políticas e digitais, as quais transmitem e afirmam seus compromissos com a liberdade de informação. Uma vez que a internet é o espaço de inúmeros campos da realização humana, é claro que também será o lugar para atividades de protesto.

Texto original:

Gabriella Coleman on Hacking as Political Protest

Para saber mais sobre o tema:

Anonymous: Operação PayBack.

Membros do Anonymous aparecem em público usando máscaras de Guy Fawks, personagem de HQ e do filme "V de Vendetta"

Como todos sabem, o WikiLeaks divulgou vários telegramas  diplomáticos confidencias norte- americanos. Desde então, sua página na internet foi alvo de ataques sistemáticos. Foi expulso dos servidores da companhia americana Amazon, que hospedava seu site. As empresas  através das  quais eram depositadas doações para o WikiLeaks, como Visa, Credicard e PayPal- todas norte-americanas, se recusaram a recebê-las. Até mesmo um mandado de prisão internacional por suposto crime sexual contra seu fundador, Julian Assange,  foi emitido.

Um grupo de ciberativistas chamado Anonymous, que afirma lutar por ética e liberdade de expressão na internet, organizou uma retaliação: “Operação Payback”. Usando redes sociais como Facebook, Twitter e  chats como IRC, comandou ataques contra os sites das empresas que estariam boicotando o Wikileaks, conseguindo retirar algumas delas do ar.

Em ações posteriores, deu apoio ao movimentos de protestos políticos na Tunísia, Iêmen e Egito, cujos governos censuraram ou bloquearam a internet a fim de impedir a mobilização dos participantes nos protestos ou divulgação dos mesmos.  Anonymous ganhou as manchetes da mídia  internacional e  aumentou o número de inimigos.

Mas o presente artigo pretende contar outra história. Sobre como Aaron Barr se envolveu com o Anonymous e se tornou piada internacional.

Nos Estados Unidos, Aaron Barr, CEO da HBGary Federal, uma empresa americana que trabalha com segurança na internet, se infiltrou em canais do IRC, assim como no Facebook, usando identidades falsas, a fim de identificar membros do  coletivo Anonymous e reunir informações sobre eles.  Aliás, um dos nomes usados por Aaron no Facebook foi  Julian Goodspeak.

Passou o mês de janeiro inteiro revolvendo a internet para tentar conseguir os tais dados. A intenção era atrair atenção da imprensa sobre si mesmo e sua empresa, se aproveitando  da recente notoriedade internacional do grupo, para catapultar seus negócios. Como adicional, tencionava ganhar alguns milhares de dólares  ao vender a informação ao FBI.

Um de seus subordinados, encarregado de coletar as informações  sobre o Anonymous,  numa troca de e-mails com Aaron Barr, observou que elas não eram confiáveis e que não deveriam valer muita coisa.  Afinal,  os supostos membros do Anonymous não utilizavam dados pessoais e eles estavam fazendo deduções. Mas o chefe, arrogantemente, disse a ele que deveria apenas se preocupar em programar tão bem quanto ele, Aaron, analisava informações.

Barr bolou um plano até interessante, mas com um enredo meio repetitivo para os padrões hollywoodianos: planejava simular uma discussão entre ele mesmo, na sua versão fake,  e ele  mesmo,  na sua versão real, conforme detalhado em e-mail. Com isso, seu fake ganharia mais credibilidade junto ao Anonymous e ele atrairia uma expressiva  mídia para uma palestra que daria num evento sobre segurança na internet.

E como se sabe de tudo isso?  Porque Aaron Barr  se precipitou.

Aaron Barr, analista de segurança na internet

Como um Big Brother, louco pelos holofotes,  e confiante em seu sucesso, saiu espalhando por aí que o Anonymous possuía uma hierarquia bem definida e que ele tinha a lista dos cabeças do grupo. Logo surgiu uma matéria sobre o assunto no Financial Times. E isso foi poucos  dias antes do encontro que marcara com o FBI.

O resultado é que seu plano desmoronou.

Anonymous descobriu o plano e iniciou a contra-ofensiva.  Operação Payback 2? Tomou sua conta no Twitter e divulgou suas informações pessoais. O site de sua empresa, a HBGary Federal, cujo site anuncia possuir as melhores ferramentas em ciberdefesa, também foi hackeado. Teve acesso a mais de 40.000 e-mais  de Aaron Bar, da empresa de segurança e clientes, deixando todo essa material disponível na internet a qualquer um. Por isso as informações já repassadas chegaram a público: a conversa com o funcionário, a simulação da discussão, a intenção de alavancar seus negócios, atrair a imprensa, vender as informações, etc.

Veio a público inclusive que o Bank of America, que se sentia ameçado pela possibilidade do Wikileaks divulgar documentos apontado corrupção e fraude na sua organização, havia contratado sua empresa e mais duas – a Palantir Technologies e a Berico Technologies,  para iniciarem uma ofensiva pública de desmoralização  do Wikileaks e seus apoiadores, sendo que a estratégia para tais ações incluía plantar notícias e documentos falsos na mídia.

A situação foi tão grave que a presidente da HBGary Federal, empresa na qual Aaron trabalhava, teve que ao ir às salas de chat do Anonymous parar pedir que eles parassem com os ataques. Obviamente, isso acabou com a reputação de Aaron Barr e da HBGary Federal, que estava aberta para venda. Clientes debandaram e Aaron só não perdeu o emprego ainda porque é um dos acionistas. Aliás, quanto será que a empresa vale agora?

E o que aconteceu com a lista de líderes que Barr pretendia vender? Coerente com sua autodefinição de anarquista, portanto, sem hierarquia, o Anonymous proclama não possuir líderes. Ridicularizou a relação feita por ele, declarando que com ela Barr apenas iria incriminar inocentes. Assim,  entregou de graça o que seria vendido.

E o  analista de … insegurança … virou piada na internet.


 

Leia mais sobre o assunto:

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Firm targeting WikiKeaks cut ties with HBGary