Politizando… os cabelos

Cabelo pode ser coisa política?

Na década de 80, Luiz Caldas fez sucesso com uma música na qual dizia: “Nega do cabelo duro que não gosta de pentear…”. Tempos antes, os Anjo do Inferno e Elis Regina já cantavam: “Nega do cabelo duro, Qual é o pente que te penteia?”.

Os cabelos dos negros sempre estiveram ligados a representações negativas que o marcavam como símbolo de inferioridade, especialmente das negras, sendo um motivo fácil para  piadas. Ou outros tipos de estigma social.

Nilma Lino Gomes afirma: “O cabelo do negro, visto como “ruim”, é expressão do racismo e  da desigualdade racial que recai sobre esse sujeito. Ver o cabelo do negro como “ruim” e do  branco como “bom” expressa um conflito. Por isso, mudar o cabelo pode significar a tentativa  do negro de sair do lugar da inferioridade ou a introjeção deste. Pode ainda representar um  sentimento de autonomia, expresso nas formas ousadas e criativas de usar o cabelo.  Estamos, portanto, em uma zona de tensão”.

Em dezembro do ano passado, a Folha.com e o Globo.com divulgaram o caso de Ester Elisa da Silva Cesário, estudante de pedagogia que teria sido vítima de discriminação no Colégio Anhembi Morumbi, onde estagiava, em função de seu cabelo crespo. A diretora do colégio lhe teria tido que o padrão da escola era cabelos lisos e que era deveria alisar os cabelos. Como resposta, a estudante prestou queixa na Delegacia de Crimes Raciais.

 Um corpo é construído biologicamente, mas também culturalmente. A rejeição aos traços típicos dos negros/negras, como os cabelos crespos, afetam profundamente a auto-estima. Por isso, entupimos nossos corpos de substâncias tóxicas, muitas provavelmente cancerígenas, como o formol, para garantirmos nossa aceitação dentro do padrão: lindas, com cabelos lisos.

A ativista Angela Davis integrou o Black Power e os Panteras Negras.

 Na década de 60, os Estados Unidos foram sacudidos por vários  movimentos contra o racismo, reinvidicando  direito civis para os negros e  denunciando a opressão exercida pelos brancos. Entre eles, o Pantera Negra e  Black Power,  expressão  por muitos identificada como sendo apenas um estilo de cabelo.

O Black Power, ou Poder Negro, pregava o orgulho de ser negro e a necessidade da construção de valores próprios. Em decorrência de tais movimentos, surgiram políticas e instituições culturais focadas em promover os interesses coletivos de negros, seus valores e culturas.

Um outro movimento do período foi o “Black is Beautiful”, que tornou popular o visual afro, ao encorajar os negros a se sentirem bem com sua aparência. O movimento encorajou mulheres e homens a assumirem suas feições naturais, a deixar de alisar os cabelos ou tentar branquear a pele (tá… Michael Jackson não aprendeu a lição…). Angela Davis, uma das mais famosas ativistas daquele período, possuía uma cabeleira tipicamente black power. Seu cabelo não era apenas um penteado, um corte, um estilo. Era um símbolo do orgulho de suas origens negras, de liberação e revolução cutural.

Na mesma época, no Brasil, vivia-se um momento de grande repressão política, sob o regime político militar. A existência de racismo era negada pela propaganda oficial, que afirmava vivermos numa perfeita harmonia racial.

A nossa sociedade contava com um grande número de mestiços e forma como se identificava um negro nos Estados Unidos era muito diferente da forma brasileira. Se lá contava a origem, independente da aparência, no Brasil, contava-se a cor da pele e a textura do cabelo, o que tornava mais fácil uma parda com cabelo alisado passar por branca.

Protesto em frente ao Colégio Anhembi Morumbi.

O caso de Ester expõe, mais uma vez, o racismo velado existente na sociedade brasileira e nos faz pensar que, numa sociedade que celebra a diferença, há pouco espaço para certas diversidades. Quanto  ao Colégio Anhembi Morumbi, após a denúncia, houve um protesto com vários ativistas  em frente a escola, reafirmando que o cabelo dos negros não é ruim: “Meu cabelo é crespo, é livre, é bom! Ruim é o racismo!”.

Referências:

AGUIAR, Gilberto Orácio. Corpo, Negritude e Cidadania: uma reflexão a partir de Marcel Mauss. Disponível na internet em: tede.biblioteca.ucg.br/…/GILBERTO%20ORACIO%20DE%20AGUI…. Acessado em 29.01.12.

GOMES, Nilma Lino. Corpo e cabelo como símbolos da identidade negra. Disponível na Internet em: www.rizoma.ufsc.br/pdfs/641-of1-st1.pdf . Acessado: em 30.01.12.

O Hacking como Protesto Político

Tradução de entrevista da Gabriella Coleman, antropóloga, professora assistente na New York University – Steinhardt,  por Lindevania Martins.


O que é um hacker? Um hacker têm código de ética?

Quando pensamos no termo hacker, imaginamos moradores de porão digitando furiosamente em  seus teclados com o objetivo de transformar a internet num inferno. Como antropóloga, cujo foco em estudo etnográfico são os hackers e geeks, é importante começar abordando os estereótipos que tanto dominam a percepção pública. De modo mais geral, “hacker”é um técnico que  ama computadores e “hack” é uma inteligente solução técnica que  é obtida  de forma não-óbvia. E não implica em comprometer o Petágono, mudar suas notas, ou derrubar o sistema financeiro global. Embora isso possa acontecer, é num sentido estrito relacionado ao termo. Hackers tendem a valorizar um conjunto de princípios liberais:  liberdade, privacidade e acesso. Tendem a adorar computadores. Alguns obtém acesso não autorizado a tecnologias, embora o grau de ilegalidade varie muito ( e mais, a grande maioria da atividade hacker, sob a definição que eu dei, é realmente legal).  Mas uma vez que se confronte o hackear na prática, algumas semelhanças se diluem num mar de diferenças. Algumas dessas distinções são superficiais, enquanto outras são profundas o suficiente para nos fazer pensar  sobre o hackear em termos de gênero ou genealogias de “hacking” – e meu trabalho  e prática pedagógica  compara e  contrasta várias dessas genealogias, tais como o hacker do software livre e aberto e o hacker underground, que é mais agressivo em seus propósitos.

A atividade hacker é um exercício de liberdade de expressão?

Assim como há níveis de profundidade e variabilidade na atividade hacker, há ricas e distintas conexões entre liberdade de expressão e o hackear. Por exemplo, desenvolvedores de software livre e aberto (que criam softwares tais como o navegador Firefox) estão comprometidos  em  fazer com que as orientações implícitas ao software – código fonte – permaneçam acessíveis para visualização, distribuição e modificação. Eles fazem isso apoiados em novas formas de licença, como o copyleft, cuja lógica tem um contraste bem marcado com o copyright.  Muitos desenvolvedores de software livre também concebem o código fonte como uma forma de liberdade de expressão e desafiam formas de regulação que limitem sua habilidade para escrever e fazer circular o código fonte.

Fale sobre como o hacking tem sido usado como protesto político.

Recentemente a questão do “hacktivismo” tem sido abordada nas manchetes, seguindo a onda de ataques distribuídos de negação de serviço (DDoS) contra Mastercard e Paypal , coordenado por ativistas usando o nome de Anonymous em apoio ao WikiLeaks. Esses eventos deflagraram um acalorado debate sobre  se podiam ser considerados como “hacking” e se esta tática digital poderia ser usada para legitimar dissenso político ou se ela simplesmente serviria para silenciar a livre expressão.

Muitos disseram que o DDoS não é tecnicamente sofisticado o suficiente para ser considerado uma forma de  “hacking”.  No entanto, mesmo que os ataques DDoS não sejam um tipo de “hacking”, uma importante questão  permanece, se  esta tática digital pode ser usada como uma forma legítima de protesto. Os ataques DDoS têm sido relacionados a barricadas, ação direta e desobediência civil digital e, sob um ponto de vista mais crítico, com intimidação virtual, vandalismo e perseguição capaz de impedir que pessoas, grupos, organizações e companhias “falem” na internet. Estes ataques correm o risco de se tornar caóticos, especialmente porque qualquer um pode chamar a si mesmo de Anonymous.

Como antropóloga de política hacker e geek ( e não uma advogada ou jurista), não posso dar uma resposta legal definitiva sobre se as suas  ações constituem formas de liberdade de expressão.  O que é claro, contudo, é que os hackers e geeks tendem a adotar políticas de liberdade de informação de variados modos e criaram fascinantes técnicas legais, políticas e digitais, as quais transmitem e afirmam seus compromissos com a liberdade de informação. Uma vez que a internet é o espaço de inúmeros campos da realização humana, é claro que também será o lugar para atividades de protesto.

Texto original:

Gabriella Coleman on Hacking as Political Protest

Para saber mais sobre o tema: