“E se depois de 15 anos você tivesse a chance de recomeçar?” . É essa a chamada para o filme francês “A Vida de Outra Mulher” (2012), da diretora Sylvie Testud, cujo elenco é capitaneado por Juliette Binoche. A mesma chamada poderia ser igualmente usada para o longa americano “De Repente 30” (2004), dirigido por Gary Winick e estrelado por Jennifer Garner. Afinal, entre as películas, sobram mais semelhanças que diferenças.
Jenna (Jennifer Garner) e Marie (Juliette Binoche) são duas mulheres que perderam parcelas importantes de suas vidas. Precisamente, as memórias de mais de 15 anos. Ao acordar aos 30 anos, em sua última lembrança, Jenna acabou de fazer 13. Escondida dentro de um armário, aguarda o beijo adolescente de seu príncipe. Ao acordar aos 41, em sua última lembrança, Marie acabou de fazer 25. Em conformidade com a idade, nada de armários e beijos, mas cama e um sexo gostosinho com o outro príncipe.
Distintas são as explicações para os lapsos de memória das duas mulheres. No filme “ A Vida de Outra Mulher”, Marie foi acometida de uma providencial amnésia, ainda sem explicação médica. Em “De Repente 30”, a responsabilidade pela viagem no tempo de Jenna – tão ao gosto hollywoodyano, foi meramente um passe de mágica. Abracadabra!
As duas mulheres protagonizam filmes cujos locais de produção sempre estiveram ligados à expectativas contrárias. Dos Estados Unidos, filmes com apelo comercial, visando satisfazer uma massa de espectadores sem grande refinamento estético. Da França, filmes alternativos, cujos destinatários seria uma elite mais intelectualizada.
“A Vida de Outra Mulher” anula qualquer diferença. Tem-se a impressão que o filme francês é um filme americano cuja equipe de realizadores falhou gravemente. É certo que no quesito comédia, “De repente 30” tem muito: mas é muito de um humor banal, repetitivo e apelativo. Já o humor na comédia “A Vida de Outra Mulher” é de uma sutileza tão grande que faz pensar mais em inabilidade de produzir um humor bem resolvido do que em elegância.
As duas películas se esforçam para mostrar duas garotas que, de tímidas, inseguras e sem fortuna, se transformam em mulheres fortes, bem sucedidas e com belas contas bancárias. Adultas, suas vidas giram em torno de um trabalho que exercem com mão de ferro, sem espaços para sentimentalismo.
Ambas as comédias românicas tratam de resgatar a inocência perdida e acertar o foco no que realmente importa. Pois bem situadas no mundo corporativo e em posição de comando, Jenna e Marie esqueceram que “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás.” A via eleita para realizar tal façanha, nos dois casos, é reconquistar os príncipes do começo de tudo. Assim, a redenção, embora tenha como termo inicial o apagamento da memória, irá se operar, como sempre, através do amor romântico, sendo essa a recompensa de toda a mudança empreendida.
Curiosamente, ambos os longas mostram uma inversão nos papéis tradicionalmente reservados a homens e mulheres, no que se refere ao poder e afeto. As duas mulheres, antes do apagamento, ocupam posições de liderança, sendo chefes irascíveis nos respectivos escritórios. Já os homens que pretendem reconquistar fazem o tipo sensível, possuindo profissões mais artísticas: um desenhista de histórias em quadrinhos e um fotógrafo independente. Curioso, ainda, que os dois homens são honestos e fiéis, enquanto Jenna e Marie, possuem matriz e filial: uma relação estável, e paralelamente, amantes no trabalho.
Como nas históricas românticas banais, Jenna tem final feliz ao se casar com o amigo de adolescência e Marie ao retornar com o marido. No fim, fica-se pensando, é nisso que se resume a vida de uma mulher, arrumar um homem? Como se desde o começo fosse apenas isso, no fundo, que importasse: Ah, mulheres, infinitamente carentes e dependentes!
Ambos os filmes incorporam as mudanças culturais no que se refere às mulheres, mas com ranços de retrocesso. No fim, o que parecem querer sugerir é isso: que as mulheres, ao se afastarem de seus papeis tradicionais, jamais conseguirão satisfação. São os homens que se realizam pela profissão, querida! As mulheres só se realizam pelo amor.
E o que fazer com a experiência? Os desejos não mudam dos 13 aos 30, dos 25 aos 41? O tempo nada deveria lhes acrescentar? Pois o mesmo parece lhes ter conferido apenas infelicidade. Só por isso é preciso retornar à si mesmas, bem mais jovens, sem as marcas da experiência, em uma tempo no qual não eram senhoras de si mesmas, para reaprender a viver. Paradoxal.
O que seremos no futuro será, de diversas maneiras, fundamentalmente distinto do que fomos no passado. Aprendemos, mudamos. Contudo, “A Vida de Outra Mulher” destrói a ideia de que se possa aprender com a experiência. A nova Marie, a desmemoriada Marie, é leve justamente porque jogou fora o peso de mais de quinze anos de memórias acumuladas. Privada dos contextos que determinaram suas mudanças, a protagonista não entende como se transformou em outra mulher. O espectador também não.
Nesse vácuo, o que parece sobrar, é aquela velha pergunta, jamais feita aos homens, formulada há mais de 100 anos pelo pai da psicanálise: “Afinal, o que querem as mulheres?”