Ciclistas atropelados em manifestação

No texto intitulado “A Ideologia Social do Automóvel”, o filósofo frances André Gorz conta como, num contexto em que todas as charretes desenvolviam a mesma velocidade, na virada do século XIX para o XX, a velocidade se tornou símbolo de status social: “… até a virada do século, a elite não viajava a uma velocidade diferente do povo. O automóvel irá mudar tudo isso: pela primeira vez, as diferenças de classe serão estendidas à velocidade e aos meios de transporte” (GORZ, 2005, p.75)

O autor afirma que, inacessível às massas, o automóvel surgiu como um objeto de luxo que tinha como fim proporcionar às elites um privilégio nunca antes visto: circular muito mais rapidamente que todos os demais. Com um mecanismo de funcionamento desconhecido e tão complexo que necessitava de especialistas, o automóvel parecia conferir uma independência ilimitada a seus proprietários, que poderiam se deslocar quando e aonde quisessem com uma velocidade semelhante a do trem. No entanto, essa aparente independência escondia uma dependência radical: obriga o proprietário a consumir e usar uma gama de serviços que só podem ser fornecidas por terceiros – calibração, combustível, troca de peças, lubrificação, revisão, etc.

De olho nesse filão, se desenvolveu toma uma indústria para a qual era urgente pôr o automóvel ao alcance do maior número de pessoas.  Surge a produção em série e a linha de montagem. Quanto mais motoristas e carros, mais lucros. E os trabalhadores se sentiriam finalmente compartilhando com a elite privilégio da velocidade.

A massificação dos carros fez com que deixassem de ser um objeto de luxo, embora o mito ainda permaneça. Gerou congestionamentos, fumaça, fedor, barulho, poluição. Matou a cidade.  É assim que Gorz diz: “.. uma vez que os carros assassinaram a cidade, necessitamos de carros mais rápidos para fugir em auto-estradas para zonas cada vez mais distantes”.


Acreditando que se faz necessário revitalizar as cidades, surgiram pelo mundo inteiro vários movimento que pregam a necessidade de se repensar a opção pelo carro, um veículo poluidor e que destrói o espaço urbano. Ë proposta a eleição de novas formas preponderantes de mobilidade, como a bicicleta e o transporte coletivo, o que requer investimento público e adaptação das cidades para tanto.

A bicicleta, para curtas distâncias, possui inúmeras vantagens sobre outros meios, pois não agride o meio-ambiente e exercita o corpo do ciclista, contribuindo destas duas formas para um estilo de vida mais saudável.  Como vantagem adicional, tem um baixo custo financeiro. Passeios noturnos de ciclistas,  dia mundial sem carros,  ciclistas pelados,  massas críticas, são todos movimentos que tentam chamar atenção sobre as vantagens deste meio de transporte.

Massa Crítica, também chamada de “Bicicletada”, segundo a Wikipédia portuguesa, é um passeio auto-organizado e independente. Se iniciou em 1998, nos Estados Unidos. Suas intenções são pacíficas e nunca houve relatos de confrontos entre ciclistas e motoristas. Até este fim de semana, no Brasil.

Na última sexta-feira, um movimento de ciclistas em Porto Alegre, uma Massa Crítica, chegou ao fim após o ataque de um motorista que teve como saldo pessoas feridas e bicicletas despedaçadas. O homem, já identificado pela polícia como Ricardo José Neif, de 47 anos, jogou o próprio carro contra os ciclistas e se encontra foragido.

Site da Massa Crítica de Porto Alegre:

https://massacriticapoa.wordpress.com/

Referência bibliográfica:

GORZ, André. A Ideologia Social do Automóvel. In: LUDD, Ned (org). Apocalipse motorizado: a tirania do automóvel em um planeta poluído. São Paulo: Conrad, 2005.

No Zimbabwe, ecos do Egito

Munyaradzi Gwisai, ao centro.

Talvez você nunca tenha ouvido falar de Munyaradzi Gwisai. Ele tem sido manchete nos ultimos dias. Mas comecemos por seu país.

O Zimbabwe é um pequeno país do sul da África, cuja independência do Reino Unido – que  ocupava a região desde o final do século XIX, só foi reconhecida em 1980.  Com a maior inflação e o maior nível de desemprego do planeta, além de uma expectativa de vida de apenas 43,5 anos, segundo os dados da Wikipedia, tem como presidente Robert Mugabe. Com 86 anos de idade, ele lidera o país desde 1980 – como primeiro-ministro; após 1987 – como presidente. Acusado de violência e intimidação contra seus opositores, seu governo é considerado um dos mais corruptos do continente africano. Por conta das graves violações aos princípios democráticos e ao pluralismo político, a União Européia têm imposto vários sanções ao país.

No dia 23 de fevereiro, o governo cometeu mais uma arbitrariedade.

Impedidos de comparar o Zimbabwe ao Egito e Tunisia

Naquele dia, Munyaradza Gwisai, palestrante na escola de direito da Universidade do Zimbabwe, mostrava vídeos da internet, produzidos pela BBC e pela Al Jazeera sobre os protestos que varreram o norte da África, para estudante e ativistas.  Se desenvolvia uma discussão acadêmica sobre os fatos ocorridos no oriente médio, quando agentes do governo invadiram o espaço e apreenderam laptops, DVDs e o projetor de vídeos. Munyaradza Gwisai Foi preso juntamente com as mais de 45 pessoas.  Por assistirem aos vídeos, foram todos acusados de subversão ao governo eleito e traição – o que pode implicar numa pena de prisão. Ou numa pena de morte.

As revoluções na Tunísia e Egito assombram e é preciso dar o exemplo. Assim, os presos têm sido exemplarmente punidos. O Los Angeles Times revela que os advogados dos presos só souberam da acusação de traição dez minutos antes da audiência e não puderam conversar com os mesmos sobre elas. Como o índice de AIDS no país é muito grande, alguns dos presos são soropositivos e estão sendo impedido de tomar a medicação antiviral. Há, ainda, denúncias de tortura contra os mesmos.


Egito: Ainda não Acabou

Lindevania Martins

Artigo publicado por David D. Kirkpatrick e David E. Sanger, no New York Times, mostra como foi organizada a revolta no Egito: as liçoes aprendidas com os tunisianos – “juventude egípcia, coloque vinagre ou cebola sob o cachecol para amenizar o efeito do gás lacrimogênio”; o papel da Irmandade Islâmica –  que como uma organização secreta e ilegal estava acostumada a atuar sob disciplina hierárquica; das torcidas de futebol – acostumadas a confrontos com policiais no estádios; do Movimento 6 de Abril – que criou uma comunidade no Facebook e organizou as primeiras manifestações pela internet; da Academia da Mudança – cujos membros teriam treinado os manifestantes para resistirem às investidas policiais; da influência das idéias do pensador Gene Sharp – “a não-violência é um meio eficaz para minar estados policiais que poderiam usar a resistência violenta como meio de justificar a repressão em nome da estabilidade”; da ajuda do executivo da Google Wael Ghonin; das redes sociais, como Facebook e Twitter; etc.

Mas uma revolução é só o começo e nenhuma transicão é fácil.

A Agência Reuters noticia que, em greve, os trabalhadores têm  se reunido no Cairo  e em outras cidades egípcias para protestar contra os baixos salários e péssimas condições de trabalho.  O governo militar ainda não suspendeu a lei de emergência decretada por Mubarak, nem libertou os milhares de presos políticos levados à cadeia pelo ditador. Manifestantes ameaçam voltar a Praça Tahrir se sua demanda por mudanças radicais não forem atendidas. The Guardian registra a fala de um dos ativistas egípcios, Alaa Abd El Fattah:  “Precisamos que o Exército reconheça que esta é uma revolução e que eles não podem realizar todas as mudanças sozinhos”.

O Exércio, que retirou na segunda-feira os últimos manfestantes que ainda permaneciam na Praça Tahrir, tenta convencer os egípcios de que fará a transição para um governo democrático, através da convocação de eleições livres e justas, pedindo a eles que voltem a seus postos de trabalho. Na tv estatal, um comunicado foi lido por um porta-voz do governo militar, também nesta segunda-feira: “Nobres egípcios, percebam que greve, nesta situação delicada, levará a resultados negativos”.

Os militares não apresentaram nenhum calendário para as eleições. Mas caso ela acontecesse agora, em razão de  uma oposição fraca e fragmentada, a conservadora Irmandade Islâmica provavelmente seria o grupo mais bem organizado para uma disputa eleitoral,  o que preocupa os Estados Unidos pela postura notadamente radical e anti-americana do grupo religioso. Pela Constituição egípcia, ela não poderia participar do processo eleitoral.  Mas atualmente  a Constituição se encontra suspensa.

Enquanto isso, a vizinhança está em polvorosa.

 

A polícia de Jerusalém, temerosa de que, sob a  influência  do Egito, ocorressem revoltas na Cisjordânia, restringiu ao acesso ao Monte do Templo (Esplanada das Mesquitas) – lugar sagrado para judeus e mulçumanos. Com a queda de Mubarak, resta para Israel a preocupação com a influência islâmica na região e com o possível descumprimento do pacto de paz entre os dois países.

No Irã, segundo o site Democracy Now, dezenas de milhares de pessoas tomaram as ruas nesta segunda-feira. A polícia agiu com violência e pelo menos uma pessoa foi morta, entre inúmeros feridos. Outras foram detidas. Dois líderes da oposição estão sendo mantidos sob prisão domiciliar e fala-se inclusive de risco de execução.

Em Bahrein, dois manifestantes foram mortos pela polícia, o segundo durante o funeral do primeiro. As mortes elevaram a tensão. A oposição se retirou do parlamento. O rei Hamad pediu desculpas  publicamente em uma rara aparição na televisão e jurou realizar uma investigação para punir os culpados. Após o discurso, milhares de manifestantes se reuniram na Praça Pearl, no centro de Manama. A internet está sob restrição e não pode ser feito upload de vídeos e imagens dos protestos.

No Iêmen, os manifestantes continuam nas ruas, pedindo pelo fim do regime ditatorial de Ali Abdullah Saleh, que governa o país há mais de trinta anos, e reformas políticas. Armas de choque têm sido usadas contras as manifestações pacíficas e os confrontos têm sido duros. O governo, que bloqueou o acesso às praças públicas , descreve os manifestantes como traidores e os acusa de querer implementar no país agendas entrangeiras.

Refletindo sobre a situação na Arábia, Lamis Andoni, em artigo na Al Jazeera, diz que a revolução no Egito, ela mesma influenciada pela revolta na Tunísia, fez ressurgir um novo senso de pan-arabismo, baseado na luta por justiça social e liberdade, registrando que por todo o Egito, e na Arábia em geral, manifestantes empunhavam fotografias do ex-presidente egípcio Gamal Abder Nasser, morto em 1970.  No entanto, afirma que estamos testemunhando a emergência de um movimento pela democracia que transcende um nacionalismo em sentido estrito – ou mesmo pan-arábico, e que abraça valores humanos universais, ecoando por todos os lugares, ao promover um entendimento mais profundo da emancipação humana.

O Egito, Os Protestos e A Técnica

Lindevania Martins

Mubarak finalmente caiu.

Após muito resistir às pressões, deixou que seu vice anunciasse sua retirada do palco: ” Este dia  ninguém vai esquecer” – entusiasmado, escreveu  o jornalista egípcio Abdel Kaddous no site da Democracy Now!.

Comentando o desfecho vitorioso do levante popular no Egito, bem como os vários artigos que dão às redes sociais uma posição de protagonismo, Devin Coldewey publicou artigo com o seguinte título: “Pessoas, não coisas, são as ferramentas da revolução”. Argumenta que embora as redes sociais tenham feito parte do protesto, sua importância têm sido superestimada e corre-se o risco de supor que elas foram essenciais.

“As pessoas que são as ferramentas da revolução”, diz ele, “ seja sua discordância espalhada por sussurros,  cartas, Facebook ou outros meios que ainda nem imaginamos. Do que nós, e os egípcios, devemos estar orgulhosos, não são das qualidades que separam a revolução no Egito daquelas dos últimos cem anos, mas das qualidades que são fundamentais para todas elas”. Por fim, afirma que a internet não é necessária nem suficiente para uma revolução, indignação e união da população,  sim.

Do Egito, a jornalista Mona Eltahawy chamou os milhares de jovens que se aglomeraram na Praça Tahrir pedindo a renúncia de Mubarak de “Geração Facebook”. E ela explica que as redes sociais conectaram ativistas com pessoas comuns, preencheram as lacunas deixadas pela mídia tradicional que silenciou sobre a insatisfação política e foram usadas para convocar e divulgar locais e horários dos protestos. E conclui afirmando que blogs e redes socais não inventaram a coragem, mas amplificaram as vozes dos egípcios que já vinham protestando contra Mubarak há anos.

Mona Eltahawy, ao louvar o uso das redes sociais, e Devin Coldewey, ao criticá-las, partem de um ponto comum: o uso das redes como forma de comunicação. Devin Coldeway chega a dizer que não é de admirar que os protestos tenham sido organizados a partir das redes sociais, pois esta é a forma usual como as pessoas se comunicam hoje.

 

As técnicas de comunicação de que atualmente dispomos são de alto impacto e eficiência. No entanto, não deveria saltar aos olhos que as redes têm possibilitado bem mais que simples comunicação? Como  uma mudança de paradigmas, através da  organização de uma revolução sem líderes?

Ao longo do século XX,  se firmou a concepção de que as revoluções tinham como origem partidos de vanguarda, líderes carismáticos, setores mais avançados da sociedade ou da intelectualidade. Não foi o que pareceu ter ocorrido na Tunísia e no Egito.  As redes sociais  e novas técnicas de comunicação parecem ter permitido a auto-organização, de forma rápida e barata, das pessoas comuns, numa luta coletiva, sem estrelas individuais, apesar da tentativa da imprensa ocidental, inclusive a brasileira, de atribuir à Irmandade Islâmica uma posição chave que ela não ocupou.

“Se não há polarizações em pessoas específicas, a quem prender para quebrar o movimento?”, deviam se perguntar os ditadores. A ausência de líderes desestimulou a competição,  deixando espaço para a colaboração, o que pode ser facilmente percebido na forma como as pessoas presentes no local contaram sobre as necessidades básicas do dia a dia: partilha e recebimento de comida,  cobertores, apoio. Essa forma de organização assusta não apenas governos ditatoriais, mas a mídia tradicional, afinal, pudemos acompanhar o desenrolar dos eventos no Egito através de twitters, blogs, imagens de celulares e outras formas de comunicação usadas por incontáveis pessoas.

E como pretender isolar de um lado técnicas, como internet, redes sociais e blogs, e de outro, pessoas, como faz Coldeway? A técnica pode existir sem sua dimensão humana? Não são as técnicas extensões do homem?


Para saber mais, clique nas frases e palavras em laranja:

La Libertad y Los Árabes, de Mario Vargas Llosa

They Did It, de Thomas L Friedman

 

O Hacking como Protesto Político

Tradução de entrevista da Gabriella Coleman, antropóloga, professora assistente na New York University – Steinhardt,  por Lindevania Martins.


O que é um hacker? Um hacker têm código de ética?

Quando pensamos no termo hacker, imaginamos moradores de porão digitando furiosamente em  seus teclados com o objetivo de transformar a internet num inferno. Como antropóloga, cujo foco em estudo etnográfico são os hackers e geeks, é importante começar abordando os estereótipos que tanto dominam a percepção pública. De modo mais geral, “hacker”é um técnico que  ama computadores e “hack” é uma inteligente solução técnica que  é obtida  de forma não-óbvia. E não implica em comprometer o Petágono, mudar suas notas, ou derrubar o sistema financeiro global. Embora isso possa acontecer, é num sentido estrito relacionado ao termo. Hackers tendem a valorizar um conjunto de princípios liberais:  liberdade, privacidade e acesso. Tendem a adorar computadores. Alguns obtém acesso não autorizado a tecnologias, embora o grau de ilegalidade varie muito ( e mais, a grande maioria da atividade hacker, sob a definição que eu dei, é realmente legal).  Mas uma vez que se confronte o hackear na prática, algumas semelhanças se diluem num mar de diferenças. Algumas dessas distinções são superficiais, enquanto outras são profundas o suficiente para nos fazer pensar  sobre o hackear em termos de gênero ou genealogias de “hacking” – e meu trabalho  e prática pedagógica  compara e  contrasta várias dessas genealogias, tais como o hacker do software livre e aberto e o hacker underground, que é mais agressivo em seus propósitos.

A atividade hacker é um exercício de liberdade de expressão?

Assim como há níveis de profundidade e variabilidade na atividade hacker, há ricas e distintas conexões entre liberdade de expressão e o hackear. Por exemplo, desenvolvedores de software livre e aberto (que criam softwares tais como o navegador Firefox) estão comprometidos  em  fazer com que as orientações implícitas ao software – código fonte – permaneçam acessíveis para visualização, distribuição e modificação. Eles fazem isso apoiados em novas formas de licença, como o copyleft, cuja lógica tem um contraste bem marcado com o copyright.  Muitos desenvolvedores de software livre também concebem o código fonte como uma forma de liberdade de expressão e desafiam formas de regulação que limitem sua habilidade para escrever e fazer circular o código fonte.

Fale sobre como o hacking tem sido usado como protesto político.

Recentemente a questão do “hacktivismo” tem sido abordada nas manchetes, seguindo a onda de ataques distribuídos de negação de serviço (DDoS) contra Mastercard e Paypal , coordenado por ativistas usando o nome de Anonymous em apoio ao WikiLeaks. Esses eventos deflagraram um acalorado debate sobre  se podiam ser considerados como “hacking” e se esta tática digital poderia ser usada para legitimar dissenso político ou se ela simplesmente serviria para silenciar a livre expressão.

Muitos disseram que o DDoS não é tecnicamente sofisticado o suficiente para ser considerado uma forma de  “hacking”.  No entanto, mesmo que os ataques DDoS não sejam um tipo de “hacking”, uma importante questão  permanece, se  esta tática digital pode ser usada como uma forma legítima de protesto. Os ataques DDoS têm sido relacionados a barricadas, ação direta e desobediência civil digital e, sob um ponto de vista mais crítico, com intimidação virtual, vandalismo e perseguição capaz de impedir que pessoas, grupos, organizações e companhias “falem” na internet. Estes ataques correm o risco de se tornar caóticos, especialmente porque qualquer um pode chamar a si mesmo de Anonymous.

Como antropóloga de política hacker e geek ( e não uma advogada ou jurista), não posso dar uma resposta legal definitiva sobre se as suas  ações constituem formas de liberdade de expressão.  O que é claro, contudo, é que os hackers e geeks tendem a adotar políticas de liberdade de informação de variados modos e criaram fascinantes técnicas legais, políticas e digitais, as quais transmitem e afirmam seus compromissos com a liberdade de informação. Uma vez que a internet é o espaço de inúmeros campos da realização humana, é claro que também será o lugar para atividades de protesto.

Texto original:

Gabriella Coleman on Hacking as Political Protest

Para saber mais sobre o tema:

Anonymous: Operação PayBack.

Membros do Anonymous aparecem em público usando máscaras de Guy Fawks, personagem de HQ e do filme "V de Vendetta"

Como todos sabem, o WikiLeaks divulgou vários telegramas  diplomáticos confidencias norte- americanos. Desde então, sua página na internet foi alvo de ataques sistemáticos. Foi expulso dos servidores da companhia americana Amazon, que hospedava seu site. As empresas  através das  quais eram depositadas doações para o WikiLeaks, como Visa, Credicard e PayPal- todas norte-americanas, se recusaram a recebê-las. Até mesmo um mandado de prisão internacional por suposto crime sexual contra seu fundador, Julian Assange,  foi emitido.

Um grupo de ciberativistas chamado Anonymous, que afirma lutar por ética e liberdade de expressão na internet, organizou uma retaliação: “Operação Payback”. Usando redes sociais como Facebook, Twitter e  chats como IRC, comandou ataques contra os sites das empresas que estariam boicotando o Wikileaks, conseguindo retirar algumas delas do ar.

Em ações posteriores, deu apoio ao movimentos de protestos políticos na Tunísia, Iêmen e Egito, cujos governos censuraram ou bloquearam a internet a fim de impedir a mobilização dos participantes nos protestos ou divulgação dos mesmos.  Anonymous ganhou as manchetes da mídia  internacional e  aumentou o número de inimigos.

Mas o presente artigo pretende contar outra história. Sobre como Aaron Barr se envolveu com o Anonymous e se tornou piada internacional.

Nos Estados Unidos, Aaron Barr, CEO da HBGary Federal, uma empresa americana que trabalha com segurança na internet, se infiltrou em canais do IRC, assim como no Facebook, usando identidades falsas, a fim de identificar membros do  coletivo Anonymous e reunir informações sobre eles.  Aliás, um dos nomes usados por Aaron no Facebook foi  Julian Goodspeak.

Passou o mês de janeiro inteiro revolvendo a internet para tentar conseguir os tais dados. A intenção era atrair atenção da imprensa sobre si mesmo e sua empresa, se aproveitando  da recente notoriedade internacional do grupo, para catapultar seus negócios. Como adicional, tencionava ganhar alguns milhares de dólares  ao vender a informação ao FBI.

Um de seus subordinados, encarregado de coletar as informações  sobre o Anonymous,  numa troca de e-mails com Aaron Barr, observou que elas não eram confiáveis e que não deveriam valer muita coisa.  Afinal,  os supostos membros do Anonymous não utilizavam dados pessoais e eles estavam fazendo deduções. Mas o chefe, arrogantemente, disse a ele que deveria apenas se preocupar em programar tão bem quanto ele, Aaron, analisava informações.

Barr bolou um plano até interessante, mas com um enredo meio repetitivo para os padrões hollywoodianos: planejava simular uma discussão entre ele mesmo, na sua versão fake,  e ele  mesmo,  na sua versão real, conforme detalhado em e-mail. Com isso, seu fake ganharia mais credibilidade junto ao Anonymous e ele atrairia uma expressiva  mídia para uma palestra que daria num evento sobre segurança na internet.

E como se sabe de tudo isso?  Porque Aaron Barr  se precipitou.

Aaron Barr, analista de segurança na internet

Como um Big Brother, louco pelos holofotes,  e confiante em seu sucesso, saiu espalhando por aí que o Anonymous possuía uma hierarquia bem definida e que ele tinha a lista dos cabeças do grupo. Logo surgiu uma matéria sobre o assunto no Financial Times. E isso foi poucos  dias antes do encontro que marcara com o FBI.

O resultado é que seu plano desmoronou.

Anonymous descobriu o plano e iniciou a contra-ofensiva.  Operação Payback 2? Tomou sua conta no Twitter e divulgou suas informações pessoais. O site de sua empresa, a HBGary Federal, cujo site anuncia possuir as melhores ferramentas em ciberdefesa, também foi hackeado. Teve acesso a mais de 40.000 e-mais  de Aaron Bar, da empresa de segurança e clientes, deixando todo essa material disponível na internet a qualquer um. Por isso as informações já repassadas chegaram a público: a conversa com o funcionário, a simulação da discussão, a intenção de alavancar seus negócios, atrair a imprensa, vender as informações, etc.

Veio a público inclusive que o Bank of America, que se sentia ameçado pela possibilidade do Wikileaks divulgar documentos apontado corrupção e fraude na sua organização, havia contratado sua empresa e mais duas – a Palantir Technologies e a Berico Technologies,  para iniciarem uma ofensiva pública de desmoralização  do Wikileaks e seus apoiadores, sendo que a estratégia para tais ações incluía plantar notícias e documentos falsos na mídia.

A situação foi tão grave que a presidente da HBGary Federal, empresa na qual Aaron trabalhava, teve que ao ir às salas de chat do Anonymous parar pedir que eles parassem com os ataques. Obviamente, isso acabou com a reputação de Aaron Barr e da HBGary Federal, que estava aberta para venda. Clientes debandaram e Aaron só não perdeu o emprego ainda porque é um dos acionistas. Aliás, quanto será que a empresa vale agora?

E o que aconteceu com a lista de líderes que Barr pretendia vender? Coerente com sua autodefinição de anarquista, portanto, sem hierarquia, o Anonymous proclama não possuir líderes. Ridicularizou a relação feita por ele, declarando que com ela Barr apenas iria incriminar inocentes. Assim,  entregou de graça o que seria vendido.

E o  analista de … insegurança … virou piada na internet.


 

Leia mais sobre o assunto:

How one man tracked down Anonymous – and paid a heavy price

Anonymous concedes defeat

Firm targeting WikiKeaks cut ties with HBGary

 

A Ciberguerra do WikiLeaks

Manifestação pró-Wikileaks

 

O sociólogo espanhol Manuel Castells, autor do livro “A Sociedade em Rede”,  publicou artigo na La Vanguardia no qual analisa a recente questão do Wikileaks, cujos desdobramentos ainda continuam.

Afirmando que a reação histérica dos Estados Unidos e de outros países contra as ações do Wikileaks confirma seu argumento de que o poder se baseia no controle da comunicação, defende que entramos numa  nova fase da comunicação política:  as informações, sejam segredos ou fofocas, se espalham através de canais que escapam aos aparatos do poder.

E pontua:

“Não está em jogo a segurança dos estados (nada do que foi revelado põe em perigo a paz mundial, nem era ignorado nos círculos de poder). O que se debate é o direito do cidadão saber o que fazem e pensam seus governantes. E a liberdade de informação nas novas condições da era da internet.   Como dizia Hillary Clinton em sua declaração de janeiro de 2010: “ A internet é a infraestrutura icônica de nossa era… Como ocorria nas ditaduras do passado, há governos que se voltam contra os que pensam de forma independente utilizando estes instrumentos”. Agora ela aplica a si mesma essa reflexão?

Porque a questão chave é que os governos podem espionar, legal ou ilegalmente, os seus cidadãos. Mas os cidadãos não têm direito a  informação sobre quem age em seu nome, exceto na versão  censurada que os governos constroem. Neste grande debate vão mostrar quem realmente são  as empresas de internet autoproclamadas plataformas de livre  comunicação e a mídia tradicional, tão zelosa de sua própria liberdade.

A ciberguerra já começou. Não uma ciberguerra entre estados, como se esperava, mas entre estados e a sociedade civil internauta. Nunca mais os governos poderão estar seguros de manter seus cidadãos sob a ignorância de suas ações. Porque ao menos haverá pessoas dispostas a realizar vazamentos e em uma internet povoada por wikis surgirão novas gerações de wikileaks” .  (Tradução: Lindevania Martins)

Leia aqui o artigo completo de Castells:

La Ciberguerra de WikiLeaks

E tudo se copia…

Na década de 60, o francês  Roland Barthes publicou um texto em que acabava com a ideia de autoria e originalidade. Em “A Morte do Autor”, declara que um  texto é sempre um tecido de citações e que  o único poder do escritor é o de misturar as escritas : ele acaba por ser o imitador de um gesto sempre anterior e nunca original.   Entre outros motivos, porque usa um dicionário composto por outros.

Os que vêm depois se utilizam das ideias e construções dos que vieram antes. O que seria dos filmes de zumbi sem George Romero? De George Romero sem as lendas populares sobre zumbis? De Lady Gaga sem Madonna? De Madonna sem Marylin Monroe? De Kill Bill sem Bruce Lee? Até parece que a arte imita a natureza, onde “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, segundo Lavoisier.

É nesse espírito, “Nada se cria, tudo se copia”, como diria minha avó, sem se importar com quem inventou a frase, que Kirby Ferguson lançou o documentário “Everything Is A Remix”, dividido em duas partes.

Na primeira parte,  que pode ser assistida na abertura do presente artigo,  Ferguson usa  os trabalhos de William Burroughs, que teria criado o termo ” heavy metal”,  e Led Zeppelin, cujas composições teriam muito a dever a vários outros artistas, para defender sua ideia de que tudo que existe é recombinação  ou edição de material já anteriormente existente. E  ressalta: “Remixar é arte popular. Qualquer um pode fazê-lo”, emendando que essas técnicas: coleta de material, combinação e transformação, são as mesmas usadas em qualquer nível de criação.

Focado em música, o documentário efetua várias comparações, acompanhando o Led Zeppelin – que teria copiado muitos materiais sem modificar suficientemente seu conteúdo para poder alegar que eram seus e sem atribuir as composições aos autores originais.

A segunda parte do filme, que pode ser assistida acima, foi lançada agora no começo de fevereiro. Se a primeira se concentra em música, a segunda parte se concentra no cinema. O documentário afirma que 74% das produções de Hollywood são refilmagens ou adaptações de livros, histórias em quadrinhos, jogos de vídeo game, etc., transformando o velho em novo. E até arrisca possíveis motivos: porque filmes são muito caros de fazer e seria mais barato realizar remakes ou adaptações;  porque quadrinhos, jogos, livros, etc. constituem uma rica fonte de material; porque o público prefere o que lhe é familiar.

Dando especial atenção a Star Wars, afirma que  sua estrutura pode ser encontrada no livro “O Herói de Mil Faces”, de Joseph Campell. Entre suas múltiplas influências, aponta os seriados de Flash Gordon dos anos trinta; os mestres espirituais das artes marciais inspirados em Akira Kurosawa; cenas semelhantes a outras que podem ser vistas em  “O Bom , O  Feio e o Ruim”, de Sergio Leone, “Metrópolis”  de Fritz Lang, entre outros.

Como mostra o documentário, não se pode criar algo do nada. Criação necessita de influência.

Acesse aqui a versão legendada em português da primeira parte do filme.

Ana de Hollanda: Sem Criatividade

Lindevania Martins


Uma das primeiras providências que a Ministra da Cultura Ana de Hollanda, mais conhecida como “a irmã de Chico Buarque de Holanda”, adotou no novo emprego foi a retirada da licença do Creative Commons do site do Ministério da Cultura.

Para quem não sabe, Creative Commons- CC, é uma ONG que propõe um novo modelo de gestão de direitos autorais, focado no compartilhamento. Ligada ao movimento do “software livre”, criou um sistema de licenças que possibilita que criadores de conteúdo: músicos, escritores, cineastas, ilustradores, etc., de livre e espontânea vontade,  permitam certos usos de seus trabalhos: desde que sens fins comerciais e que o trabalho dele resultante também seja livre para usos futuros, devendo ser identificado quem licenciou a obra. A idéia por trás da iniciativa  é a de quando os bens culturais circulam de forma mais livre, permitem que outras pessoas possam ressignificá-los e possam inclusive criar algo novo, estimulando a criatividade.

Gilberto Gil, quando à frente do Ministério da Cultura, abriu espaço para discussão dos temas ligados ao direito autoral, realizou seminários e audiências públicas, trouxe ao Brasil Joost Smiers. A licença do Creative Commons no site do Minc indicava a preocupação do órgão estatal com o compartilhamento dos bens culturais. Lawrence Lessig, criador da ONG, em encontro ano passado com Dilma, relatou que a hoje presidente  manifestou a intenção de continuar o trabalho progressista de Gil. Mas Ana de Holanda promete retrocesso.

Ocorre que entidades como o ECAD se sentem ameaçadas pelo compartilhamento de conteúdo e o tráfego na rede de computadores. Mas ao retirar o Creative Commons da página do Minc, Ana de Hollanda mostra que entende pouco  – ou nada – de internet.

Facebook Atrai Milhares de Pessoas. Às Ruas! E Sem Querer…

Lindevania Martins

Egito: Protestos Combinados pelo Facebook

O Facebook tem sido um fenômeno de público.

Atraiu milhões de internautas para suas páginas. Levou  inúmeras pessoas ao cinema, ávidas para assistirem ao filme “A Rede Social”, que conta sua história e concorre ao Oscar em oito categorias. Foi um dos termos mais buscado na internet no ano de 2010. Transformou Mark Zuckerberg em bilionário. Está desbancando o Orkut no Brasil.

Enfim, o Facebook é um mega sucesso.

Principalmente no oriente médio, onde inúmeras revoltas e protestos têm sido organizadas em suas páginas, levando milhares de pessoas a tomar os espaços públicos reais, protestando contra ditaduras corruptas. Coisa com a qual Mark Zuckerberg não contava.

Matéria publicada  neste 2 de fevereiro no Washington Post, aponta o Facebook como a verdadeira ferramenta para os opositores de Hosni Mubarak no Egito, onde a rede social teria cerca de cinco milhões de usuários.

Enquanto Google e Twitter, após o governo egípcio bloquear a internet, tiveram papéis ativos, tentando driblar o controle e ajudar os manifestantes a se comunicarem, o Facebook não anda muito contente com a recente notoriedade como insuflador de revoluções. Segundo o Washington Post, muitos países em que o Facebook é popular são ditaduras e autocracias e a empresa teme que, por conta do ocorrido na Tunísia e no Egito, que os governos desses países restrinjam ou mesmo proíbam suas atividades.

Não são poucos os governos que, em vários níveis, censuram internet. Blogs, redes sociais, Msn, Twitter. Suas justificativas se repetem: proteger a população, evitar a pornografia e que se espalhem informações incorretas. Essa é a justificativa, entre outros, da Coréia do Norte, do Irã e da China.

Enquanto algumas empresas como Google, Microsoft e Yahoo se juntaram na Global Network Initiative, a fim de lidar com questões relativas a censura pelo mundo, o Facebook evita qualquer tomada de posição. No entanto, os acontecimentos recentes levaram o Facebook a um protagonismo que o mesmo não desejava, mas que é irreversível.  Por quanto tempo continuará em cima do muro?