Philliphe Aries conta, em sua História Social da Criança e da Família, que se tornou comum em certo período da Idade Média, algo que nos causa assombro: a reanimação dos mortos. Segundo o historiador, era lugar comum a reanimação momentânea de crianças mortas apenas para que pudesse ser prestadas a elas homenagens fúnebres. Após a rápida encomenda de suas almas, a morte retomava seu curso normal. Como obtinham esse efeito, ninguém jamais soube dizer.
O que nos atrai, nesse episódio, é uma ideia antiga. Sempre fomos seduzidos pela ideia de escapar ao sono eterno – a morte. E a humanidade sempre expressou seu desejo de viver um pouco mais, seja através das religiões, dos mitos, das artes, da medicina, etc. Vampiros e zumbis, na ficção, são os casos mais comuns de criaturas que conseguiram realizar tal proeza. Embora de uma forma não muito satisfatória: tornando-se monstros.
Em “O Sétimo Selo”, filme de Ingman Bergman que se passa na Idade Média, a morte senta e joga xadrez com um homem, que tenciona, através do jogo, apenas adiar cada vez mais o momento angustiante do fim. Mas enquanto rolam os dados, quer dizer, enquanto movem as peças, o homem tem a chance de refletir sobre sua própria finitude.
De ficção científica e história de horror, o retorno dos mortos à vida retoma, em nossa época, outros contornos, mais palpáveis.
Morrer e acordar no futuro, revivendo novamente após um longo período no qual se esteve morto, é aspiração de vários. São os adeptos da criogenia, técnica usada desde os anos 60, que consiste na preservação de cadáveres congelados em nitrogênio líquido: o sangue é retirado do corpo e substituído por líquidos conservantes e anti-congelantes. Depois, o cadáver é mergulhado de cabeça para baixo num tanque com 200 litros de nitrogênio e mantido na temperatura de 196 graus celsius negativos. Os adeptos nutrem a esperança de que no futuro, quando descoberto um modo seguro de descongelamento, seus corpos possam ser reanimados e suas doenças curadas. Muitas empresas oferecem o serviço, havendo quem conserve o corpo inteiro e quem conserve apenas a cabeça, por ser mais barato.
Mas há uma nova técnica, recentemente divulgada, que também causa assombro. Os professores Peter Rhee, da Universidade do Arizona, e Samuel Tisherman, da Universidade de Maryland, praticam o que vem sendo chamado de “suspensão da morte”. Como na criogenia, a técnica utilizada pelos mesmos se ampara nas baixas temperaturas corporais. Há a retirada de sangue e sua substituição por uma solução salina, que ajuda a manter a temperatura do corpo entre 10 e 15 graus celsius. O paciente ganha uma ou duas horas de esperança, nas quais o médicos tentarão reverter o quadro que causou sua morte ou que está prestes a causá-la. Com o problema resolvido, o sangue volta a ser bombeado, e quando o corpo atingir a temperatura de 30 graus, o coração volta a bater. Por meio da técnica, os professores já ressuscitaram animais, como porcos. No final do ano de 2014, ganharam autorização para o maior desafio: fazer o mesmo com humanos.
As técnicas para adiar a morte, ou que tem como objetivo trazer um morto de volta à vida, uma vez que a morte parece estar inscrita naturalmente em nossa DNA, têm de combater uma ideia ainda cara a alguns: a ideia de que tudo que é natural é bom. Contudo, abrem janelas para vários outros questionamentos, importantíssimos:
O que acontece ao mundo e ao meio ambiente se não morrermos nunca? E se no futuro, a morte for facultativa? Seria problema ou solução? Será que alguns indivíduos teriam o privilégio de viver muitas vidas, por riqueza, por poder, por necessidade social, enquanto outros indivíduos teriam vidas descartáveis? A morte, então, deixaria de ser impessoal, tomando democraticamente a qualquer um?
No ano de 2005, José Saramago publicou As Intermitências da Morte, onde explorou as dificuldades sociais de se viver para sempre num mundo ficcional em que a ausência de morte física não significava ausência de doenças e das mazelas que a antecediam. Contudo, a supressão do fim criou uma superpopulação e pôs em cheque a existência de instituições e negócios: a igreja, o estado, as empresas de seguro, companhias fúnebres, lares para idosos, etc. .
Quanto aos efeitos decorrentes da nossa própria relação com a morte, num mundo que poderá contê-la indefinidamente, só o futuro dirá. Quando esse momento chegar.